O Poder Do Destino. Capítulo 26.

 




Chegada a Evergreen Harbor


Hugo e Yan viajaram a noite inteira, cruzando cidades adormecidas sob um céu sem estrelas, até finalmente chegarem a Evergreen Harbor, já ao amanhecer. O ar da manhã era fresco, com aquele cheiro de madeira úmida e liberdade nova.







Yan e Sâmia moravam havia cinco meses naquele lugar: uma casa discreta, afastada da cidade, cercada por árvores e silêncio — um refúgio seguro. Agora, Hugo viveria ali por um tempo, buscando mais do que abrigo. Buscando paz.

— Bem-vindo à nossa humilde casa! — disse Yan com um sorriso cansado. — Sei que os seus padrões são mais altos, mas aqui estamos seguros.

— Não são mais tão altos… — respondeu Hugo, olhando em volta com calma. — Estou optando por conforto e paz. Espero encontrar as duas coisas aqui, pelo menos até eu decidir o que fazer da minha vida. Preciso organizar os meus pensamentos.

— Se precisar de ajuda com qualquer coisa, é só falar, chefe!

— Não sou mais seu chefe.

— Mas…

— Só Lucca, Yan. Já falei pra você. — Como esse nome soa estranho agora… Eu já me acostumei com Hugo, pensou.






A casa era de um dos membros da irmandade que os protegia — um grupo seleto que incluía empresários influentes e até agentes financeiros. Ali, estariam fora do alcance de olhos perigosos.





Yan e Sâmia dividiam o lar. No passado, haviam sido um casal, mas o relacionamento não resistira às indecisões de Yan. Agora, restava uma amizade sólida, ainda que marcada por sombras antigas.

Hugo nunca rompeu o vínculo com os dois. Mesmo em Newcrest, mantivera contato, embora fosse reservado quanto ao relacionamento com Amanda. Só naquela viagem eles souberam da história entre os dois. E enquanto avançavam pela estrada, Hugo falava — com uma sinceridade rara — sobre o amor que sentia. Yan percebeu o peso dessas palavras, e entendeu. Amanda era mais do que apenas uma mulher; ela era o eixo que girava o mundo de Hugo.







Sâmia Castro. Vinte e cinco anos. Formada em TI.
Conheceu Hugo através de Yan, quando ambos trabalhavam sob seu comando. Ela e Hugo tiveram alguns encontros íntimos depois que ela e Yan já estavam separados.





— Que bom te ver, Lucca! — disse Sâmia, abrindo um sorriso genuíno. — Preparei um quarto pra você. Espero que goste… e que fique aqui por bastante tempo.

Ela não disfarçava a alegria de tê-lo ali, mesmo sabendo que ele vinha fugido de um perigo.

— Agradeço, Sâmia. Eu diria que é bom ver você também, mas não pretendia vir agora…

— Entendo… Mas vou ser egoísta um pouquinho: estou feliz demais em ver o nosso grupo reunido de novo. Ainda que só sejamos nós três.

— Pois é, né? — interrompeu Yan, com um tom forçado de leveza. — O Lucca tá cansado. A viagem foi longa. Melhor ele descansar. Conversamos depois?

“Ela já tá se jogando pra cima dele, como sempre… Eu queria saber o segredo desse cara. Ele nem fala muito e elas caem nos braços dele. Nem precisa tentar. E depois que ele fica… aí é que elas querem mesmo! Enquanto isso, eu que me mate pra conseguir uma chance com alguém. O que será que ele tem… pau de açúcar?”






— É claro! Me desculpe por falar demais… Vocês dirigiram a noite toda até chegar aqui. Devem estar exaustos.

Eu dirigi! — Yan respondeu, com uma ponta de azedume escondida no sorriso. O cansaço não era só físico — era também o velho incômodo de ver Sâmia se aproximar demais de Hugo. Mesmo sem estarem mais juntos, Yan ainda sentia aquela fisgada no peito ao lembrar do passado deles dois.

Ele nunca brigou com Hugo por isso. Nunca precisou. Mas também nunca conseguiu se acostumar.

— Você pode me mostrar o quarto agora? — Hugo pediu, com sua calma habitual.

— Claro que posso! Vamos lá?

— Vou pro meu quarto. — Yan deu meia-volta e subiu as escadas, como quem tenta escapar de uma cena que não queria testemunhar.








— Yan… sei que está cansado, mas pode resolver aquele problema?

— Considere resolvido. — respondeu ele sem olhar pra trás.

— Que problema? — Sâmia franziu a testa. — Nem chegaram direito e já estão falando de trabalho? Posso ajudar, se quiserem. Enquanto vocês descansam, eu cuido disso.

— Não se preocupe, Sâmia. — Hugo tranquilizou com um tom suave, quase gentil. — Yan sabe do que se trata. E não vai dar trabalho algum.

O “problema” era uma pendência com Emílio Bracel — um contato poderoso, com quem Hugo mantinha um acordo delicado. Era Emílio quem garantiria a segurança da família Bastos dali por diante. Um favor antigo, agora pago com dinheiro, e com a promessa silenciosa de que o nome de Walter continuaria a ser honrado.







No quarto que Sâmia preparou, os móveis eram simples, mas escolhidos com atenção. Tudo tinha a assinatura dela — funcional, limpo, acolhedor — como quem conhece o gosto de alguém por observar mais do que perguntar. A decoração, ela deixou em branco. Era dele a tarefa de preencher aquele espaço com suas memórias, suas coisas, suas cicatrizes.





— Aqui está! Comprei o básico… você não me deu tempo de terminar tudo, mas acredito que tem o que precisa. Espero que goste!

— Está ótimo. Obrigado!

— Fiquei surpresa quando disse que queria o quarto térreo, mesmo não sendo suíte. Você tá mesmo menos exigente!

— Conviver com pessoas de classes diferentes me fez lembrar de onde eu vim… de quem eu era. E gostei do que aprendi.

— Você se refere a…?

— Sim… Aquela família me mudou. Especialmente aquela mulher. Amanda.





— Você tá mesmo apaixonado por ela?

— Não. Paixão é passageira. O que eu sinto é amor. Amo Amanda… e não sei como, mas vou me casar com ela. Algum dia.






Sâmia conduziu Hugo pela casa, como quem tenta prolongar a presença dele em cada cômodo. Quando ele pediu para ver os aparelhos de vigilância, ela mostrou tudo com orgulho. Depois, saíram para o quintal, onde o sol da manhã aquecia as palavras não ditas.





— Como você pode ver, estamos seguros aqui. A irmandade nos protege bem — faz jus ao que pagamos. Conseguimos trabalhar tranquilos, graças a você!

— Não me agradeça por manter vocês nesse estilo de vida… Eu lamento por isso.

— Lamenta? Como assim?… Por ter perdido metade do seu grupo?

— Não só por isso. Lamento por ter apresentado esse mundo a vocês. Eu devia ter parado enquanto ainda era tempo. Eu mesmo pararia, se pudesse. Mas ainda tenho pendências, e não posso sair até cumprir tudo. Quanto aos membros presos, estou pagando bons advogados. Não vão ficar lá por muito tempo.

— Eu sei… você nunca abandona ninguém. É por isso que admiro você. Sou sua fã, sabia?

Ela sorriu, mas logo a expressão se suavizou.

— Lucca… Sei que não gosta de falar sobre sentimentos, mas você voltou tão triste. Eu não gosto de te ver assim e queria ajudar, mas… não sei como.

— Você não pode. Mas agradeço mesmo assim.






— É por causa dela, não é? Amar deve ser doloroso… Eu não quero amar ninguém. Não gosto de sofrer.

— Amar é bom. É o que há de melhor. O que machuca é a ausência… é a dúvida. É não ter certeza se a pessoa que você ama vai estar lá amanhã.

— E como você soube que amava ela? Quando foi que aconteceu?

— Não sei ao certo… talvez tenha sido quando percebi que o sexo era o menos importante. Senti que já amava aquela mulher antes mesmo de conhecê-la. Ela me dá paz. E eu quero ser digno disso.

— Que sortuda!… Se você é esse homem todo, ela deve ser incrível também. Torço por vocês!

— Espero que tenhamos uma chance… E você e o Yan?

— Estamos bem como estamos. Obrigada por perguntar.

— Mas você sabe que ele ainda tem esperanças.

— Não tem mais volta. Já está resolvido. Ele tem a vida dele… e eu a minha. Ponto final.

— Que bom, então.






— E quanto a nós… Nossa amizade pode continuar a mesma, se você quiser. Se precisar conversar, estou aqui.

— Hm… Vamos reformular a nossa amizade. Mesmo longe de Amanda, temos um relacionamento monogâmico. Não vou ficar com outra mulher enquanto estiver com ela. E pretendo continuar assim.

— Tudo bem… Seremos amigos tradicionais, então. — “Tradicionais… É isso mesmo? Como posso fingir que só quero amizade, quando essa boca dele abre e fecha e eu só lembro do que ela já fez comigo? Ele aí, todo nobre, fiel, sofrendo por outra… e eu aqui me remoendo. Que tipo de pessoa eu sou? Será que torço por eles ou espero que tudo desabe?”






Em Newcrest.




21 horas.

Amanda, Luísa e Tae haviam chegado há pouco. Concluíram o que podiam na loja, empacotaram algumas coisas e trouxeram o essencial para casa. Amanda se ofereceu para fechar a loja, como havia combinado com Pedro e Sarah. Pediram comida e jantaram por lá mesmo. Sarah, exausta, se recolheu para colocar a filha no berço e preparar a noite de ambas.






Pedro também havia tido um dia cheio. Entregou à locadora o carro que Hugo costumava usar, esvaziou o quarto onde ele dormia, vendeu os aparelhos de academia — tudo para poupar Amanda da dor de encarar lembranças em forma de objetos. Ainda restavam algumas coisas para desmontar no dia seguinte.





Já perto da hora de entrarem na casa, Pedro, Luísa e Tae levaram as últimas caixas até a garagem coberta, enquanto Amanda, silenciosa, limpava a carroceria do carro, como se esfregar o metal pudesse apagar também a saudade.

Pedro os chamou com um gesto contido.





— Chamei vocês aqui porque sei que ela não vai descer. Deve ser doloroso demais pra Amanda ver esse quarto assim… vazio.

— É sim… — disse Luísa, com os olhos marejados. — Ela tá sofrendo muito. Tá tentando se segurar, mas eu conheço a Amanda. Essa noite vai ser difícil. Queria dormir com ela, mas ela não deixou…

— Acho que ela precisa ficar sozinha. — Tae falou baixo, com um respeito silencioso. Ele sabia que Amanda precisava do escuro do próprio quarto para se permitir desabar.

— Eu também sei… Sei o quanto minha irmã vai sofrer ainda. Eles estavam bem. Nunca vi a Amanda tão feliz como quando estava com ele.

— Pois é… Quem diria que ele era um criminoso, né? Nem parece real. Sempre tão certinho, educado, gentil com todo mundo! Como ele escondeu bem isso? Nem você, Pedro, que trabalhava com ele, percebeu?!





— Eu não sabia. Se soubesse, teria alertado todo mundo. Não sei exatamente o que ele fez… ele não me contou os detalhes. Mas nunca desrespeitou ninguém. Me apoiou, me deu um emprego de verdade, deixou tudo pago antes de sair. Não consigo ter raiva de alguém que estendeu a mão.

— O cara é gente boa — Tae concordou, com firmeza tranquila. — Pelo menos com a gente, ele foi.

Gente boa, é? — Luísa bufou, cruzando os braços. — Ajudou porque podia, porque tinha grana. Mas a gente nem sabe que tipo de crime ele cometeu! E agora deixou a minha amiga assim, largada, sofrendo… Pra mim, ele deixou de ser gente boa há muito tempo! Mas enfim, Pedro… chamou a gente aqui só pra defender o Hugo? Porque se for isso, eu tô fora!

— Calma, amor… — Tae tentou conter o ímpeto da namorada, tocando de leve sua mão.

— Eu entendo a sua raiva, Luísa. E é justamente por isso que chamei vocês. Você e a Amanda são amigas próximas. Ela vai precisar de apoio, e eu queria pedir… Fique com ela por alguns dias. Só isso. Eu vou precisar me concentrar em outra coisa agora.

— Em quê? — Luísa perguntou, desconfiada.

— Em descobrir o que fazer com os homens que armaram pra mim. Se não fosse o Hugo, eu talvez estivesse no hospital agora… ou nem estivesse aqui.

— Tá falando do canalha do Walter, né? Pedro, você tem que ir até a delegacia! Contar tudo!

— Se eu fizer isso, vou complicar o Hugo… e a mim também. Eu não posso. Mesmo que você não entenda, por favor, fique com a Amanda. Sei que você saiu do emprego e que estão pensando em se mudar pra Newcrest.

— Estamos sim. — Luísa respirou fundo, a raiva misturada ao senso de dever. — Tae vai começar a trabalhar com o tio dele no restaurante. Ele quer que o Tae gerencie o lugar. E eu… bom, eu vou ficar por perto. Pelo menos por uns dias. Pode contar comigo. Não vou deixar a Amanda passar por isso sozinha.

— Obrigado, Luísa. De verdade.
— E parabéns, Tae.

— Valeu, Pedro — Tae respondeu com um sorriso contido, respeitando o clima tenso da noite.





Luísa insistiu, com ternura no olhar:

— Tem certeza que não quer que eu fique? O Tae concordou, ele vai dormir na casa do tio dele, e eu fico aqui com você!

Amanda balançou a cabeça com um meio sorriso cansado.

— Tenho certeza. Muito obrigada aos dois, mas eu não sou criança. Posso lidar com os meus problemas. Podem ir. Amanhã a gente se vê, tá bom?





— Tá bom… Amanhã cedo eu tô aqui! Vou até ativar o despertador no celular. — Luísa forçou um sorriso, tentando esconder a preocupação.

— Eu não vou vir cedo — disse Tae. — Tenho que resolver umas coisas com meu tio, mas… se precisarem de mim, dou um jeito de aparecer rapidinho, tá?

— Não se preocupe, Tae. A gente já trouxe quase tudo da loja. E, olha… muito obrigada. Fico feliz que a Luísa tenha um namorado tão legal. Dessa vez ela acertou em cheio!

Tae sorriu, um pouco sem jeito.

— Não precisa agradecer. Você também se tornou minha amiga. Gosto de você e quero te ver bem.

— Eu vou ficar — Amanda prometeu, mais para eles do que para si mesma. — Pode não ser tão rápido… mas eu vou ficar.







Ela deu um abraço em Tae, sincero, silencioso, e Luísa observou, o coração apertado ao ver o quanto Amanda tentava se manter firme por eles. Depois, ela mesma se aproximou, e as duas se abraçaram com força, como se aquele gesto pudesse proteger uma à outra da dor que vinha.

O casal se despediu e foi embora.





Amanda fechou a porta, desligou as luzes e subiu as escadas devagar, como quem carrega um fardo invisível nos ombros.






Ao entrar em seu quarto, fechou a porta, encostou-se a ela por um momento... e então, só então, permitiu-se quebrar.



Enfim sozinha.

A máscara de força escorregou. As lágrimas vieram sem cerimônia, quentes e salgadas, e ela não tentou impedi-las. O quarto, silencioso, parecia ecoar cada soluço.

Sentou-se na cadeira da escrivaninha, o peito vazio.

O que doía não era apenas a ausência de Hugo. Era a incerteza de um reencontro. A dúvida cruel sobre quem ele era — e, talvez mais dilacerante ainda, quem ela mesma era por amá-lo, mesmo agora.

"Onde será que ele tá?"
"Será que sentia mesmo o que dizia? Ou foi tudo mentira? Se ele tivesse me contado desde o começo… Será que eu teria amado ele mesmo assim?"

Ela se curvou, abraçando os próprios joelhos, como se quisesse se esconder de si.

"Talvez… talvez eu teria amado, sim."

"Que pessoa sou eu, que mesmo sabendo o que ele fez… ainda quero que ele volte? Ainda preciso dele comigo?!"

Amanda cobriu o rosto com as mãos e chorou, sem som, sem resistência. Era um choro pesado, de quem amava até na ausência, de quem não conseguia transformar o amor em raiva — só em saudade.







No quarto ao lado, Pedro e Sarah embalavam a pequena Sofia. A menina, tão pequena e tão cheia de vida, se desenvolvia rápido, como se soubesse que o mundo precisava de alguma alegria para contrabalançar a tristeza.






Pedro segurava a filha nos braços como se fosse um tesouro. Sarah, exausta, entregava-lhe o bebê após a última mamada da noite.





— Pode colocar ela no berço, por favor?

— Claro, meu amor. Você deve tá muito cansada, não tem dormido direito…

— Sofia mama muito durante a noite. Não consigo descansar… Mas hoje, mesmo que pudesse, não dormiria.







— Tá preocupada com a Amanda?

— Muito. Ver ela daquele jeito… parte meu coração. Amo ela como se fosse minha irmã. Não queria que sofresse assim.

Pedro ajeitou a filha no berço, cobrindo-a com delicadeza.

— Nem eu, Sarah. Mas ela vai ficar bem.
Vamos cuidar dela. Juntos.





— Pedro, você acha que o Hugo vai voltar?

Pedro respirou fundo. A pergunta veio como uma pedrinha atirada num lago já agitado.

— Eu não sei… — respondeu, depois de um silêncio pesado. — Nem sei se quero que ele volte. Acho até melhor que não volte.

Sarah o olhou, surpresa pela franqueza.

— Mas a Amanda ama ele…

— Você ainda quer que eles fiquem juntos? — perguntou Pedro, virando-se para encará-la de verdade.

Sarah hesitou. Era difícil responder com o coração dividido.

— Não tenho certeza… Mas eu sei que ele ama ela. De verdade.

Pedro passou a mão nos cabelos curtos, num gesto nervoso.

— Só amar não basta, Sarah. O Hugo… ele não pode dar uma vida digna pra minha irmã. Não do jeito que as coisas estão. Não com o passado que ele carrega.

Sarah baixou os olhos, concordando com pesar.

— Você tem razão. E lamento tanto por isso…







Enquanto os dois conversavam em murmúrios no quarto de Sofia, Amanda se preparava para enfrentar mais uma noite em claro.




Tomou um banho demorado, tentando lavar da pele o peso da saudade — mas era no peito que a dor insistia em morar. Vestiu um pijama confortável, penteou o cabelo de qualquer jeito e deitou-se na cama, com o celular entre os dedos.

"Por que ele não responde às mensagens?"
"Nenhuma visualizada. Nem um sinal. Até parece que mudou de número!"

A mente corria em círculos, como um disco riscado.

"Será que vou ter mesmo que esquecer o Hugo? Talvez… talvez ele nunca tenha me amado. Talvez tenha mentido o tempo todo."

Mas era mentira. Ela sabia. Ele a amava. Sentia isso nos olhos dele, no toque, nas palavras ditas em silêncio.

"Se não me responder em cinco dias, eu desisto. Juro por tudo. Eu vou superar isso. Eu vou."

Amanda apagou as luzes, deitou-se, e apesar da firmeza das palavras, sentia-se vazia, como um livro com as páginas arrancadas. Estava disposta a desistir. Mas também estava quebrada.






Dois dias depois, longe dali…





O aroma de torradas quentes e café fresco enchia o ambiente.

— O que você tá tentando fazer, Sâmia? — Yan perguntou, erguendo uma sobrancelha ao ver a mesa posta.

— Tentando, não! Fazendo! Café da manhã!

— A gente vai ter que comer? — ele zombou, divertido.

— Você é tão engraçadinho, né?

— É que você não tem nenhuma habilidade culinária! Nem quero lembrar do gosto daquela última coisa que você chamou de comida.




— Eu sei, eu sei… Mas andei treinando! Prova antes de condenar, vai que me torno um talento oculto?

Nesse momento, Hugo surgiu no corredor.

— Senti um cheiro bom. — Disse, ainda meio sonolento.





— Bom dia, Lucca. Não te vi passar.

— Você estava de costas. Fui ao banheiro… Você cozinhou?

— Preparei um café da manhã saudável. Juro que é comestível!

— O cheiro tá ótimo — admitiu Hugo, aproximando-se. — Parece promissor.






Todos se sentaram, ainda desconfiados. Mas bastou a primeira mordida nas torradas com creme de abacate e ovos cozidos para os olhos se arregalarem.

— Parabéns, Sâmia! Ficaram ótimas! — disse Yan, surpreso.

— Muito bom mesmo! — Hugo aprovou com um leve sorriso.

— Obrigada! Confesso que cozinhar ainda me assusta, mas quero aprender. Tô cansada de depender de comida de rua.

— O que te motivou? Logo você, que corre da cozinha toda vez que a panela de pressão começa a chiar — Hugo riu, lembrando da cena.

— Panela de pressão é meu limite, essa eu não encaro! — Sâmia riu junto, e o clima leve pairou por instantes.

Mas a leveza durou pouco.

Ela notou algo nas mãos de Lucca, e sua voz mudou de tom:

— O que aconteceu com as suas mãos? Estão bem machucadas…

— Tô cuidando delas — ele respondeu de forma vaga.

Yan, no canto da sala, aproveitou o gancho para soltar a bomba.

— Falando em machucados… Conversei com Emílio. Ele encontrou os seus “amiguinhos”: o Walter, o tio e o garçom. Disse que já cuidou deles.

A frase caiu como pedra em um lago calmo.

Hugo assentiu lentamente. Por dentro, a tensão apertava como uma cinta invisível.

— Ótimo. A dívida está paga. Obrigado, Yan.

— Por nada, chefe.

Hugo se calou, mas sua mente já estava longe. A ordem que não deu — a que queimava por dentro — ainda ecoava. Queria que Emílio os executasse. Mas hesitou. Por ela. Porque Amanda jamais aceitaria que ele cruzasse aquela linha.

E, mesmo longe dela, mesmo no escuro, ainda tentava protegê-la de quem ele era.







Um tempo depois…

Lucca tentava se concentrar no plano que desenhava em silêncio — sair do país, recomeçar, levar Amanda com ele. Mas cada traço dessa ideia vinha acompanhado por uma sombra: será que ela estaria segura ao seu lado? A dúvida era uma pedra no peito, e a angústia o impedia de respirar fundo.






Depois de passar o dia anterior inteiro trancado, sem comer, sem falar, ele resolveu sair para tomar ar. Evergreen Harbor, antes sufocada pela fumaça das indústrias, agora respirava leveza graças à luta dos seus moradores. Verde, limpa, transformada. Uma cidade que, como ele, tentava se redimir do passado.






Hugo estava decidido em ir ver Amanda, agora que Emílio já havia cuidado dos problemas daquele infeliz dia de domingo.





Mas será que ela aceitaria viver com aquele Hugo?


— “Aposto que se ela vier, vai ocupar todos esses canteiros com as plantas dela… adora isso. Será que ainda pensa em mim? Será que ainda me ama, mesmo sabendo o que eu sou?” — As perguntas pesavam mais do que os próprios pecados.






Lá de cima, Sâmia observava da janela do segundo andar. Ele, parado ali, em silêncio, parecia menor do que de costume.
— "O que esse homem tá fazendo ali parado? Tá sofrendo por aquela tal Amanda, né?… Nunca vi ele assim. Mudou mesmo!" — murmurou, quase com pena, quase com um sorriso.






Hugo sofria com os conflitos na sua mente, ao mesmo tempo que decidiu trazer Amanda para o seu lado, não tinha certeza de que ela o amaria após saber a verdade sobre ele.






Ela meneou a cabeça, surpresa com o que via:
— "Logo ele… o Lucca! Apaixonado! Quem diria… Ele que sempre fugiu de compromisso. A Vivian nem conta, aquela doida! Amanda deve ser foda mesmo. Pegou o coração do chefe."






Na mente de Lucca, o amor e o medo duelavam como espadas afiadas. Queria vê-la, ouvir sua voz, tocar sua pele, mas o temor de ser rejeitado era mais forte que sua coragem.
— “Preciso falar com ela. Depois… depois eu vejo se ainda posso ter esperança.”


Continua…

Sâmia.

Imagem gerada por IA.

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