O Poder Do Destino. Capítulo 08.

 


Essa história é fictícia e foi inteiramente criada por mim. Patrícia Leal.



Newcrest. Ainda na quinta-feira.


Amanda levou Luísa para o quarto, onde costumavam conversar sobre tudo — da vida amorosa até as fofocas da cidade. A amiga ficaria três dias em sua casa para ajudar com a reabertura da floricultura, e só o alívio de tê-la por perto já tirava um pouco do peso que Amanda vinha carregando nos ombros.

— Você chegou antes do combinado! O que aconteceu? — Amanda perguntou, surpresa.

— Achei que você ia gostar, mas tá quase me expulsando! Eu é que pergunto: o que aconteceu com você? — Luísa rebateu com aquele sorriso travesso que a amiga conhecia tão bem.

Amanda suspirou. Não queria parecer ingrata, mas a chegada repentina a deixara sem tempo de esconder... certos sentimentos.

— Não é isso, Luísa! É que se eu soubesse que ia chegar logo, nem tinha saído pra tomar café com o Hugo.

Luísa arqueou uma sobrancelha.

— Pensei em te ligar, mas quis fazer uma surpresa... Atrapalhei o seu encontro? Me desculpa, amiga?

— Não atrapalhou nada! Não era um encontro! Só saímos pra tomar café juntos, eu hein?!

Mas por dentro, Amanda sentia o coração acelerar. Por que justificava tanto algo que, segundo ela, não significava nada? A verdade é que ainda tentava convencer a si mesma.

— Tá bom, se você diz... então não foi um encontro! — Luísa provocou, piscando.

— Quer parar? — Amanda tentou mudar o foco da conversa. — Você fez mesmo uma surpresa, obrigada por vir. Eu vou precisar da sua ajuda porque a Sarah tá grávida e não pode se esforçar demais.

— E como vocês vão fazer depois? Eu só vou ficar até domingo.

— Por enquanto vou me virar assim mesmo. A Sarah fica no caixa e eu faço o serviço pesado. Espero que as vendas sejam boas... preciso vender muito pra pagar as dívidas da reforma.






— Você vai, amiga. Vamos arrasar nas vendas amanhã! — animou Luísa, com seu jeito otimista. Mas logo os olhos dela brilharam com outro tipo de empolgação. — Mas Amanda, mudando de assunto... O que é aquele homem? Amigaaa! Vocês tão ficando, né? Pode me falar a verdade!

— Tava demorando, né? Já disse que não! — Amanda respondeu, revirando os olhos, mas sem conseguir disfarçar o calor que subia pelas bochechas.

Luísa riu, notando.

— Fala sério, Amanda? Tão ficando, sim! Conheço essa sua carinha. Você gosta dele!

— Não mesmo! Somos apenas amigos. E nem isso éramos há dois dias atrás!

Amanda se sentia invadida, mas no fundo... Luísa não estava tão errada. Hugo mexia com algo dentro dela que ela ainda não sabia nomear.

— Se eu tivesse um gato desses morando na minha casa, eu não ia querer só amizade, não! — Luísa disparou, com sua habitual franqueza.

— Somos diferentes, eu e você. E o Hugo não é pra mim.

— Então ele pode ser pra mim?

Amanda desviou o olhar. Por fora, soltou um seco — Você que sabe. Por dentro, um incômodo inesperado. Seria ciúme?





— Amanda, tá na hora de você arrumar um namorado!

— Olha, chega dessa conversa! E se eu for arrumar um namorado, não vai ser ele!

— Por quê?

— Ele não é o meu tipo! Você não olhou direito pra ele? Me conhece há tanto tempo e não sabe do que eu gosto?

Luísa sorriu com malícia.

— Amanda... olhei, sim! E só não olhei mais porque ele saiu. Não vi nenhum defeito nele. Fisicamente é um gato! Você não achou ele bonito?

Amanda mordeu o lábio inferior, vencida por um instante de sinceridade.

— Achei e acho... e você disse bem, é fisicamente perfeito. Mas em outras coisas ele é... diferente de mim. Até o jeito de falar é outro. Não damos certo. Só amigos mesmo!

— Mas que bobagem! Que graça tem se todo mundo for igual?

— Luísa, para, tá?

A amiga levantou as mãos, rendida, mas não sem lançar mais uma provocação:

— Tá bom! Mas olha, ele pode não ser o seu tipo, mas é o tipo de muitas mulheres por aí, viu? Nossa, e aqueles olhos? Aqueles braços enormes? Eu morreria só pra ver ele sem camisa. Deve ser muito gostoso, né?

Amanda arregalou os olhos.

— Não fica me olhando com essa cara!

— Você já viu, né?

— Eu vi, mas foi por acaso!… Ele só vive sem camisa, andando por aí o tempo todo assim!
Amanda corou, tentando parecer casual. Mas a imagem de Hugo saindo do quarto, o corpo forte, ainda vinha à mente com uma nitidez irritante. E o pior… ela gostava. “Por acaso... claro... como se eu não tivesse parado pra olhar.”

— Sério? Aaaaa eu quero ver!
Luísa riu alto, divertida. Mas por dentro, estava atenta. Viu o rubor nas bochechas da amiga, o jeito nervoso de passar a mão no cabelo. Amanda estava encantada, mesmo que não quisesse admitir.

— Sossega o facho, Luísa! Eu hein!

— Mas se vocês não tão ficando, por que saíram pra tomar café?

— Ele me convidou, só isso! Chega, Luísa! Se quiser, pode dar em cima dele. Não estamos ficando. Ponto-final.

— Okay... — respondeu Luísa, mas um brilho malicioso ainda dançava em seus olhos.






Pouco tempo depois, as duas foram para a cozinha preparar o jantar. Encontraram Sarah lá, que estava prestes a cozinhar. Amanda, vendo a cunhada cansada, pediu que descansasse e assumiu o comando dos afazeres. Enquanto cortava os legumes com movimentos firmes, Luísa e Sarah conversavam animadamente, deixando o ambiente leve… apesar dos pensamentos que fervilhavam dentro de Amanda como água prestes a transbordar da panela.






Amanda mexia distraidamente a panela com os tortellinis, os pensamentos embaralhados entre o perfume do manjericão fresco e o sorriso de Hugo mais cedo, que insistia em aparecer na memória feito filme repetido. Fingiu não perceber, fingiu tão bem que quase acreditou no próprio teatro.





Na cozinha, Luísa lançando perguntas como se fosse uma investigadora da vaidade.

— Sarah, me conta... Como você conseguiu convencer a Amanda a arrumar esse cabelo e ainda fazer as unhas? Eu tentei de tudo, mas ela não foi comigo!

— Não foi difícil — Sarah deu de ombros com um sorriso de cumplicidade. — Ela foi só pra me acompanhar... e acabou decidindo se cuidar também. Ficou linda, né?

— Ficou maravilhosa! — exaltou Luísa, com aquele brilho nos olhos que só as amigas que vibram junto conseguem ter.

Amanda riu ao fundo. Tentava disfarçar a alegria que aquela conversa lhe causava — fazia tempo que não se sentia “vista” assim.

— Que exageradas! — disse, sorrindo. — Enquanto vocês falam da minha vida, eu vou tomar um chocolate com o Pedro, lá na sala!






Ela pegou uma das canecas de chocolate quente que Sarah havia preparado com chantilly por cima, do jeitinho que a mãe costumava fazer nos dias de chuva, e seguiu até a sala. O aroma doce misturado ao barulho da tempestade no telhado trazia um tipo de saudade boa, daquela que aquece por dentro. Aos poucos, todos foram se juntando ao ambiente aconchegante.

A sala era o coração da casa: ao lado da cozinha, espaçosa, com alma de refúgio. O sofá marrom aveludado, antigo, guardava histórias em seus braços puídos. A poltrona xadrez, presente de Pedro junto com a televisão nova, deixava o canto ainda mais acolhedor. E, no outro canto, o cesto com travesseiros e um cobertor pequeno, que Sarah usava para alinhar a coluna por causa da gravidez.

As janelas grandes emolduravam a noite chuvosa como se fossem quadros em movimento. As cortinas de renda balançavam com o vento suave, e, por um instante, Amanda desejou que o tempo parasse ali — naquela sala, com cheiro de chocolate, vozes conhecidas e a chuva escrevendo poesia do lado de fora.






Anoiteceu e estava chovendo forte em Newcrest.





19h00 – Hora do jantar.
A mesa estava posta, iluminada por uma luz suave que vinha do lustre antigo acima deles. Cheiro de temperos ainda pairava no ar, junto com o som confortável da chuva batendo na janela. Todos vestiam roupas leves, de casa, e havia uma certa intimidade naquele ambiente — mesmo para quem ainda não se sentia parte.







— Amanda, você ia se sentar aqui? — perguntou Luísa, já acomodada de frente para Hugo, com um sorriso casual que parecia dizer mais do que as palavras.

— Não!… Eu me sento em qualquer lugar, não se preocupe. — Amanda respondeu sem hesitar, mas seu olhar fugiu rápido demais. Ela não queria fazer cena, mas algo naquele detalhe a incomodou. Como se fosse uma cena montada e ela não soubesse se estava no papel certo.






Hugo, por sua vez, permaneceu em silêncio. Não gostava da posição em que estava. Sentar-se de frente para Luísa o colocava num campo de visão direto que ele preferia evitar. Desde o início percebera suas intenções — sorrisos alongados, perguntas demais, toques leves no cabelo. Mas ele não estava ali para esse tipo de jogo.
Hugo não era o tipo que se deixava levar facilmente. Seu charme, embora letal, era uma ferramenta, não um impulso. Usava-o para fechar acordos, convencer investidores, desarmar rivais. Com mulheres, era ainda mais calculado. Gostava do controle. Do distanciamento. Da previsibilidade.

Mas Amanda...

Amanda o desconcertava.





Todos elogiaram a comida, e Amanda sorriu, orgulhosa, mesmo dizendo que cozinhar não era sua paixão. Era boa no que fazia porque gostava de fazer bem — fosse o que fosse.

— Então você vai ajudar na inauguração da loja, Hugo? — Luísa tentou puxar assunto, ajeitando-se um pouco na cadeira, como se isso pudesse chamar mais atenção.

— Sim. Prometi para a Amanda.

Direto. Seco. Quase ríspido. Luísa franziu o cenho, sem saber se insistia ou recuava.

— Vai com a gente amanhã de manhã?

— Provavelmente, sim.

— E você, Pedro? Vai com a gente também? — Sarah interveio, tentando tornar a conversa mais leve.

— Não posso ir, tenho um trabalho importante pra finalizar amanhã.

— É bom que você fique, Pedro. Se estarei ausente, é você quem deve atender aos clientes. — disse Hugo, com naturalidade, mas também com firmeza. Como quem já está acostumado a comandar.

— Claro. Eu fico! — Pedro respondeu, sem resistência.






Luísa, do outro lado da mesa, sorriu forçado. “Nossa… Como ele é simpático… o rei da simpatia! Deve ser por isso que a Amanda não se animou...”, pensou, meio frustrada. Hugo não devolvia uma pergunta sequer. Não dava corda. Apenas o necessário. Um homem de frases cirúrgicas e expressão inalterável.

Já Amanda, observava de canto de olho. Pela primeira vez, gostou do jeito dele. Aquela frieza que sempre a incomodara agora parecia... útil. Viu-se sorrindo com a ironia da situação. “Hugo sendo ele mesmo. A Luísa deve ter tido uma pequena amostra de como ele é chato… rsrsrs!”





Meia hora depois, o jantar havia terminado.

Amanda e Luísa foram para a cozinha, rindo das piadas ditas à mesa. Enquanto lavavam a louça, o cheiro do sabão misturava-se ao perfume leve de lavanda do detergente. Sarah se recolheu ao quarto, massageando as costas doloridas da gravidez. Os homens seguiram para a sala, onde conversaram sobre contratos, prazos e clientes — os assuntos de sempre.





Mais tarde, Amanda e Luísa deitaram no quarto. Conversaram sobre roupas, séries, vizinhos — tudo e nada. Luísa adormeceu rápido. Amanda, não. Permaneceu acordada, os olhos cansados diante da tela do computador, ajustando as contas da loja. No silêncio do quarto, só o tec-tec das teclas e a respiração ritmada da amiga.

Por fim, apagou as luzes. Não queria incomodá-la. 






No quarto de Hugo...

O notebook ainda brilhava fraco em cima da mesa. Ele havia terminado um relatório técnico. O trabalho estava pronto, mas sua mente, não.

Quando o telefone tocou, Hugo arqueou a sobrancelha. Número desconhecido. Código de área de Windenburg.

— “De quem será esse número?…” — murmurou, já sentindo uma desconfiança incômoda. — “Vivian.”

O nome ecoou dentro dele como uma pedra jogada em lago calmo. Esticou o braço, hesitou por um segundo. Depois, atendeu.






Atendeu com a frieza de quem espera o pior.

— Por que está me ligando? E como descobriu o meu número?

Do outro lado da linha, a voz veio doce e venenosa. Como perfume caro demais borrifado em ferida aberta.

— Oi, amor! Só liguei porque estava com saudade. Queria tanto te ver…

Hugo riu, mas sem humor. Um riso seco, que não chegava aos olhos.

— Parabéns, Vivian. Um ponto pra você. Está ligando para falar do meu dinheiro? Espero que sim!

Ela ignorou. Como sempre fazia quando não lhe interessava ouvir.

— Preciso falar com você amanhã de manhã. Starbucks, centro de Windenburg. A única loja da franquia por lá, bem próxima de onde você me encontrou. Chegue às 8:00 em ponto. Não se atrase, amor!

Aquele “amor” soou como uma lâmina afiada sendo passada devagar no peito dele.

— O que você quer comigo?!... Vivian?! — a voz dele subiu um tom, carregada de fúria e incredulidade.

Silêncio.

A linha caiu. Ela havia desligado.







Hugo ficou parado, o telefone ainda na mão. Olhou para o visor escurecido e murmurou:

— Desgraçada!… Está querendo jogar comigo, quer que eu ligue de volta. O que será que aquela infeliz está planejando fazer?... Logo descobrirei.

Jogou o celular sobre a cama, como quem afasta uma serpente.






Um tempo depois, todos dormiram.






Sexta-feira. Manhã de calor. Hugo, sobe as escadas para ir ao seu compromisso com Vivian.





Eram 7:15 e todos já estavam fazendo a primeira refeição do dia na área do churrasco. Hugo, apareceu para cumprimentar todos.
Camisa polo preta impecável, calça jeans azul escura ajustada, botas de couro legítimo, o perfume discreto mas marcante. O tipo de homem que atrai olhares mesmo quando não quer.





— Bom dia! — disse ele, firme, entrando na área do churrasco.

— Bom dia, Hugo! Que bom que você chegou. Senta aqui e vem tomar leite com chocolate branco quentinho, tá uma delícia! A Sarah que preparou! — Luísa disse com uma empolgação exagerada, os olhos brilhando mais do que o necessário.

Mas Hugo não sorriu.






— Obrigado, mas não tenho tempo para tomar café com vocês. Só vim desejar um bom-dia a todos.

Luísa forçou um riso, ainda o acompanhando com os olhos. — “Uau... Ele tá mais bonito do que ontem? Se a Amanda não quiser, eu quero…”

Ela o devorava com o olhar, dos pés à cabeça, tentando encontrar alguma fresta por onde entrar.

— Mas por quê? Pensei que você fosse com a gente pra reinauguração da loja? — insistiu, com um sorriso que mal disfarçava o interesse.

— Irei mais tarde. Tenho um cliente com hora marcada e preciso ir.






— Você disse que ia ajudar... — Amanda entrou na conversa. O tom dela era contido, mas os olhos diziam o que a boca não dizia. Havia decepção ali, e um toque de orgulho ferido.

— Eu vou! Chegarei pouco depois da inauguração, às 10:00.

— Sei... — Amanda cruzou os braços. Não acreditava.

— Prometo que vou estar lá às 10:00. Só não irei agora porque apareceu essa emergência.

— Não precisa ir, a gente se vira! — ela rebateu com firmeza, como quem se blinda antes de sentir demais.

Hugo então deu um passo à frente, olhando-a nos olhos.

— Prometi que iria, e nunca quebro uma promessa. Até mais tarde, Amanda.






Ele se despediu e saiu.

Ela sentou-se à mesa, inspirando fundo, como se aquele ar quente da manhã pudesse aliviar a tensão. Vestia uma blusa xadrez roxa, amarrada acima do cós da calça jeans. Calçava botas escuras. Os cabelos, presos num coque improvisado. Na orelha, os brincos que herdou da mãe — seu amuleto silencioso, sua lembrança de força e dignidade.

Amanda estava pronta para o dia. Mas o coração… esse ainda carregava dúvidas.






Amanda tentou disfarçar o incômodo, mas não conseguiu esconder o humor azedo que dominou seu semblante. Todos à mesa notaram o silêncio repentino, o olhar perdido e os lábios apertados.

Sarah, empolgada para acompanhar a cunhada na reinauguração da loja, tentava manter o clima leve. Vestia um vestido azul de pequenas flores brancas, calça de elástico por baixo — conforto era sua prioridade — e sandálias resistentes, preparadas para encarar um longo dia em pé.

Luísa, mais descontraída, exibia uma blusa de listras pretas e vermelhas, de ombros à mostra, combinando com uma calça jeans preta. Seu olhar insistente em Amanda entregava que estava mais atenta ao estado da amiga do que aparentava.






— Não fica chateada, Amanda… O Hugo é um homem ocupado e tem muitos clientes exigentes. Apesar de a empresa ser nova, já tem uma clientela grande. Ele vai aparecer, só que mais tarde. — Pedro tentou aliviar o clima, em tom gentil.

— Não tô chateada! — Amanda respondeu de pronto, num tom defensivo. — E se ele não aparecer, tudo bem pra mim. Nós três damos conta! Ele é só um conhecido. Não espero muito dele.







— Um conhecido, é? Pra mim tá mais do que isso. Já até saíram pra tomar café juntos! — Luísa comentou com um sorriso travesso, cutucando o ponto frágil.

— Não começa, Luísa. Eu já falei sobre isso com você.

— Tá, mas você disse que ele era um amigo, não só um conhecido…

— Fico feliz com essa amizade de vocês, Amanda. — Sarah interveio com doçura. — O Hugo é uma boa pessoa, ajudou a gente a sair do vermelho, foi um bom amigo pro Pedro. Ele é calmo, reservado e muito educado.

Pedro escutava os elogios da esposa e sentia orgulho da amizade com Hugo. Era grato pelo apoio recebido, mas mal sabia que aquele homem em quem confiavam escondia um passado sombrio. Nenhum deles sabia que Hugo estava sendo procurado pela polícia… que era um criminoso envolvido em mais de um delito.






Enquanto isso, em Windenburg, a atmosfera era completamente diferente.

Vivian e seu noivo, Otacílio, aguardavam na lanchonete Starbucks. Ele, como sempre, impecável em seu terno e gravata, habituado a frequentar cafés antes do expediente. Ela, exuberante e provocante, ostentava uma calça social de linho preta, uma blusa de mangas longas com listras finas, mas de decote profundo que valorizava seus seios. Usava maquiagem impecável e acessórios de grife reluzindo à luz da manhã.






— Querida, o seu primo está atrasado. — Otacílio comentou, ajeitando os punhos da camisa.

— Desculpa, amor… o Hugo é assim mesmo. Nunca chega na hora marcada. Mas já fizemos nossos pedidos… Se estiver com fome, pode comer. Daqui a pouco tem que tomar seu remédio.

— Eu sei, meu bem… odeio tomar esse remédio, ele me deixa sonolento.

— Foi o que o seu médico receitou e você tem que tomar na hora certa. Quero que fique bem. Tô morrendo de saudades de fazer amor com você… — sussurrou com um sorriso provocante. — Quero me casar logo, me tornar a sua esposinha… Amo cuidar de você.

Otacílio sorriu, encantado. — Sou um homem de muita sorte por ter uma mulher tão linda e maravilhosa. Você nem precisa de mim, ainda assim me ama e cuida da minha saúde com tanta dedicação…

— Você é especial, Otacílio. Não se interessou só pela minha beleza… valorizou minhas qualidades.

— Escolher você como minha segunda contadora foi a melhor coisa que fiz. Meu dinheiro nunca esteve em melhores mãos.

— Obrigada, querido! Administro sua fortuna como administro a minha.

— Sim, meu bem. E você tem tanto quanto eu. Uma mulher linda, inteligente e de sucesso… Está tudo indo muito bem.

O que Otacílio não sabia era que aquele romance se iniciara com um tropeço proposital. Vivian fingiu esbarrar nele num restaurante, caindo teatralmente ao chão. Ele, cavalheiro, estendeu a mão. Ela, rápida, lançou seus encantos. A relação nasceu ali, regada a segundas intenções e charme ensaiado. Em pouco tempo, ela pediu um emprego como contadora e apresentou um certificado falso. Otacílio, encantado, nem pensou duas vezes.

Mas nem tudo foi tão simples. Rayca Elísio, a contadora anterior, representava um obstáculo… e Vivian, sem hesitar, lançou seus encantos sobre ela também.







“Sim, quase tudo… Só falta você se casar comigo e depois morrer.”

A voz de Vivian, por dentro, era puro veneno adoçado em mel. Seus olhos faiscavam com raiva contida, enquanto o sorriso no rosto mantinha a encenação. “Não tenho mais o dinheiro que tinha pra manter a farsa de que sou rica… Preciso resolver logo isso ou ele vai descobrir antes de se casar comigo. E só é lucrativo matar esse velho depois que me tornar a senhora Brandão! Não aguento mais olhar pra essa cara enrugada… Transar com você de novo? Só se for no inferno, seu velho caquético! Me dá enjoo só de pensar.”






Enquanto isso, do outro lado da rua, um vulto alto observa a cena.

Hugo.
Cauteloso, atento.
A expressão dura, o maxilar tenso como se cada passo fosse uma decisão de guerra. Ele analisava tudo: o ambiente, o velho ao lado de Vivian, o motorista sentado ao longe, distraído demais para ser inocente. Não era tolo — sabia que a presença de Vivian era sempre um convite à tragédia.







Ela o percebeu antes que Otacílio notasse qualquer coisa.
E então seus pensamentos fervilharam:
“Olha só o meu homem... O único que me dá prazer de verdade. Esse eu amo, de verdade mesmo. Hugo… Meu amor. Tá mal-humorado, eu sei… mas eu adoro esse olhar de ódio, essa cara de menino mau… Que tesão!”






Mas Hugo não sorria.

Ele a fitava com olhos de gelo.
“Essa mulher é perigosa… O que ela pretende com essa encenação? Me apresentar ao velho pra que eu fique conhecido? Acha que vai se proteger assim? Vai me devolver meu dinheiro, Vivian… e depois, some da minha vida. Nem que eu tenha que acabar com você pra isso.”







Vivian, disfarçando o incômodo com charme ensaiado, puxou o velho pela manga do terno.

— Olha, amor… o meu primo chegou!

Otacílio olhou e sorriu, sem desconfiar da tempestade que acabava de se aproximar.
— É mesmo? Que bom! Finalmente vou conhecê-lo!







Hugo caminhou até eles, cada passo uma afronta silenciosa.

— Hugo, você se atrasou um pouco, querido primo. O que aconteceu? — a voz de Vivian era doce, mas o veneno ainda borbulhava por trás dos olhos.

— Bom dia. Tive um certo contratempo. Peço desculpas pelo atraso.

— Bom dia, Hugo! É um prazer conhecê-lo… Você é um rapaz alto! — Otacílio esticou a mão, rindo como se tudo fosse perfeitamente normal.







— Senhor Otacílio Brandão… Onde está a minha educação?! — Hugo forçou um sorriso, medindo cada palavra. — É um prazer conhecê-lo também. Me chamo Hugo Cortez.

— O prazer é todo meu! Seja bem-vindo a Windenburg. Sua bela e jovem prima me disse que você chegou há pouco na cidade, e fiquei ansioso por conhecê-lo.

Aperto de mãos. Uma troca de forças silenciosa.








— Vivian.
— Hugo.
Vivian e Hugo se olharam por segundos a mais do que o necessário.

— Minha prima foi prestativa… Me deu as boas-vindas assim que cheguei. — Hugo soltou a frase como quem atira uma moeda em um poço fundo. Ele sabia o preço daquela hospitalidade.

— Se você tivesse me avisado antes, teria te ajudado a se instalar… — Otacílio se inclinou com um sorriso sincero. — Poderia ter se hospedado conosco, não é, meu amor?

Vivian assentiu, sorrindo.
— Claro! A nossa casa é a sua casa também, Hugo.

— Obrigado, senhor Brandão, mas não quero incomodar. Não pretendo morar em Windenburg. Já disse a ela que estou só de passagem.

Um silêncio breve se instalou entre os três. Otacílio não percebeu o jogo escondido por trás das palavras.




Vivian depositou um beijo leve no rosto de Otacílio, como quem sela um contrato com afeto ensaiado.

— Você é um homem tão bom, meu amor! Obrigada por ser gentil com meu primo.







“Atriz perfeita... Se existisse Oscar para noiva farsante, ela já estaria com uma estatueta dourada na estante. E o velho? Um pato pronto pro abate.” — Hugo observava a cena, sem esconder o desprezo que fermentava por dentro.





Otacílio, todo sorrisos, convidou Hugo para se juntarem a ele no café da manhã. Hugo aceitou. Sentaram-se. Pediu um chá-preto — sem açúcar.

— O Hugo sempre pede café ou chá sem açúcar. Gosta de coisas amargas e azedas. — comentou Vivian, com aquele ar de intimidade fabricada, como se realmente conhecesse o "primo".





— Eu não gosto de café muito doce, mas sempre coloco duas colheres… ou um pouco mais, se for preciso. Totalmente amargo? Não. — Otacílio riu, achando aquilo uma excentricidade curiosa. — Suas escolhas são bastante singulares para alguém da sua idade.

— Me acostumei com o que os outros evitam. O açúcar tira o sabor real… Adoça, sim, mas também esconde. Eu prefiro sentir o que está de fato ali, mesmo que doa na língua.

— Muito interessante... — Otacílio o olhou com certa estranheza, franzindo o cenho.







— Hugo sempre foi estranho, amor… Releve. Ele teve uma vida bem diferente da minha. É primo de terceiro grau. — Vivian tentava desviar a atenção, um tanto inquieta com os caminhos que a conversa começava a tomar.

“Esse rapaz… Tem algo nele que me incomoda. O olhar… Não sei se é inveja, rancor ou uma espécie estranha de paixão reprimida… Eles não parecem se dar bem. Que tipo de relação é essa?” — pensava Otacílio, enquanto levava o café aos lábios, ainda quente.







Vivian, então, mudou o tom para algo mais delicado, quase comovente:

— Então, primo… Estamos noivos. E se tudo correr bem, vamos nos casar em menos de dois meses. Gostaríamos que você me levasse ao altar… Já que meus pais se foram, e sou filha única, assim como você… Sei que não pretende ficar em Windenburg — você ama o caos das grandes cidades — mas… poderia ficar só até o casamento? Por mim?

Hugo não respondeu de imediato. Apenas a observou. Seus olhos escuros pesaram sobre Vivian, analisando cada palavra que saíra dos lábios dela, cada movimento calculado.

“Surpreendente… Se há um talento real nessa mulher, é o de manipular. Quer que eu a ajude a matar esse velho? Quer que eu esteja ali, como testemunha e cúmplice, vestido de terno ao lado dela, segurando o braço da futura viúva? Vai se casar e ficar viúva em seguida… Mas será que ao menos terão noite de núpcias? Ou ele vai infartar naquela mesma noite? Não… Vai durar no máximo uma semana. Vivian… A viúva-negra de Windenburg. Combina com ela.”





Otacílio se inclinou para frente, tentando soar fraternal:

— Ficarei muito feliz se aceitar. Pagarei todas as despesas pela sua permanência aqui, caso precise estender sua estadia. Vivian vai se casar pela primeira vez… e eu me sinto honrado em ser o primeiro. Quero vê-la feliz. Ela é maravilhosa. Seremos felizes, mais do que já somos. Com tudo que herdou, com a beleza que tem, qualquer homem se casaria com ela. Mas eu… eu tive essa sorte. Vamos unir nossas almas — e também nossos patrimônios. Espero que compreenda.

Vivian mantinha o olhar em Hugo. Esperava por algo. Talvez uma palavra. Talvez um gesto.






“Idiota… Tão cego que chega a dar pena. Está prestes a entregar tudo nas mãos de uma cobra… E eu, o escolhido para levar a serpente até o altar. Preciso encerrar essa conversa… Minha paciência se esgota como café frio. Aceitarei por ora. Mas antes… preciso garantir que ela me pague. Cada centavo. Preciso sair logo desse buraco infernal!”







— Não pretendia ficar por mais tempo do que o planejado — Hugo disse, apoiando a xícara vazia no pires com calma —, mas posso pensar em algo para fazer até vocês se casarem.

— Então você vai ficar para levá-la ao altar? — Otacílio perguntou, com um sorriso que tentava disfarçar a desconfiança.

— Vou. Mas não precisa se preocupar com despesas. Eu mesmo pago o que for necessário. A Vivian não conhece os detalhes da minha vida… Somos primos distantes, mal nos cruzamos ao longo dos anos. Tenho outra profissão além da contabilidade. Estou bem, só estou esperando receber uma quantia que, sinceramente, foi quase arrancada de mim. Depois disso, tudo ficará certo.

— Muito obrigada, primo! — Vivian sorriu como se o alívio a fizesse respirar melhor. — Fico feliz que você tenha decidido ficar… e fico feliz também por saber que está bem financeiramente. Sobre esse dinheiro, tenho quase certeza de que vai receber de volta. Torço por isso.

— Já passei por isso também. — Otacílio tomou um gole do café já morno. — Emprestei dinheiro a uma empresa amiga para evitar que quebrassem. Fizeram mil promessas, devolveram do jeito que quiseram. No fim das contas, fiquei no prejuízo… e nem cobrei juros. Isso me ensinou a ser mais cuidadoso.

— Pois eu pretendo receber tudo. À vista. — Hugo encarou Vivian, e seu olhar era uma lâmina fria e afiada sob o verniz da conversa.







Já passava das 10:30. Hugo checou discretamente o relógio — estava atrasado para ajudar Amanda na loja. Despediu-se de Otacílio com educação, e em seguida virou-se para Vivian.

— Podemos conversar a sós?

Caminharam até uma área mais afastada da varanda, longe dos olhos e ouvidos de Otacílio, embora Hugo soubesse que o velho os observava com atenção disfarçada.






— Já vi você fingir ser outra pessoa dezenas de vezes — ele disse, baixo, direto. — Mas hoje você se superou. Parabéns.

— E como você acha que eu aguento esse velho? — Vivian respondeu entre os dentes, com um meio sorriso tenso. — Tenho que ser a melhor atriz pra não vomitar quando ele me toca.

— Há outras maneiras de conseguir o que você quer. Não precisa ir até o fim.

— Cansei de golpes pequenos. Quero estabilidade. Um lugar pra chamar de meu. Uma vida com luxo, segurança… Se você ficasse ao meu lado, montaríamos um império juntos. Nós dois. Ricos, intocáveis.

— Esquece. Só quero o que me deve. Não vou participar do seu teatrinho, muito menos do assassinato do velho. — Hugo franziu a testa. — Aliás, quem te deu meu número?

— Você disse que ficaria!





— Falei aquilo pra não criar desconforto com ele. Mas não me confunda com seus cúmplices, Vivian. Não vou participar dos seus planos… mas também não vou te impedir. Essa é a regra, não é? O clã não sabota os próprios membros.

Vivian assentiu, mais abatida do que gostaria de demonstrar.

— Sim… Mas eu quero distância deles. Não quero mais envolvimento. E agradeço por não interferir. Eu… pagarei o que te devo em dez dias. Pode esperar até lá?

— Posso. Mas não tente me enganar. Você sabe que não pode. E ainda não me respondeu: quem te passou meu número?

— Chutei um número antigo. Um dos que você usava. Eu te conheço, Hugo. Até mais do que você gostaria.

— Hm… deixo passar. Por enquanto. — Ele respirou fundo, depois soltou em tom mais brando: — Um conselho. Não se afaste do clã. Eles ajudam quando ninguém mais ajuda.

— Nem sempre…

Vivian se aproximou, baixando o tom e a guarda.

— Hugo… eu nunca quis te enganar. Sinto sua falta, de verdade. Podemos nos ver… de vez em quando?

— Não.

— Só até você pegar seu dinheiro? Por favor…?

— É melhor você ir — ele cortou, seco, voltando a fitar Otacílio de longe. — Seu noivo está impaciente.







— Vivian, está demorando! — Otacílio resmungou, erguendo o tom. A impaciência lhe escorria pela testa. — O que tanto eles conversam que não poderiam conversar na minha frente?

— Esse primo dela é bem alto… um rapaz vistoso! — comentou Jonas, o motorista, com a ousadia de quem já viu demais e fala de menos. — Ainda bem que ela ama o senhor, né, patrão?

— Hmm… Não pedi sua opinião, Jonas!






Enquanto isso, o jogo entre Hugo e Vivian continuava em tons abafados.

— Vai me ligar? — ela perguntou, tentando não parecer desesperada.

— Ligo quando precisar — ele respondeu, seco.

— Espero que precise logo… porque eu preciso muito de você. Quero te sentir de novo, e...

— Vai logo, Vivian. — Hugo interrompeu, já perdendo a paciência. — Não quer sustentar a sua farsa de noiva apaixonada?

— Tudo bem… — Ela respirou fundo, o olhar molhado de desejo e frustração. — Faço isso por nós dois. Mesmo você não participando, eu vou dividir com você… porque eu te amo. Muito.

Ele permaneceu em silêncio. Nem uma palavra. Nem um gesto. Apenas aquele olhar de pedra que a fazia arder por dentro.






— Até mais, meu amor… — sussurrou ela, quase num lamento.

Vivian se virou e voltou ao palco da sua mentira: o mundo de aparências, luxo e engano ao lado do pobre milionário Otacílio Brandão — homem que comprava afeto com presentes caros e jantares longos.

E assim, a atriz retomou o seu papel.



Continua…




Comentários

  1. Essa Vivian e uma víbora, e esse veio vai precisar de um guindaste pra levantar o Godofredo na noite de núpcias só quero ver.

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    1. Víbora das mais venenosas kkkkk
      O veio vai sofrer nas mãos dela kkkkk

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