O Poder Do Destino. Capítulo 05.

 




Newcrest.

Amanda e Hugo estavam começando a se entender. Ela não gostava da ideia de ter um estranho morando em sua casa, mas, conversando melhor com ele, percebeu que Hugo não era tão detestável assim.
Hugo nunca teve relacionamentos duradouros. O caso com Vivian, por exemplo, não era monogâmico, ambos tinham liberdade para se envolver com outras pessoas, e ele jamais teve intenção de levar aquilo a sério. Estavam juntos por mera conveniência.




Sarah, já estava na cozinha preparando o jantar, ela adorava cozinhar. Amanda entra para falar com ela.




— Já preparando o jantar? — Amanda pergunta.

— Tô fazendo uma torta de carne vermelha, você sabe que o seu irmão ama carne! E já tá quase na hora do jantar. O que você comeu no almoço, cunhada? Passou o dia inteiro lá na loja.

— Antes de chegar na floricultura, passei na padaria e tomei café com bolinhos de chocolate. Comi três! Não senti fome o dia todo.

— Ai, que inveja! Bolinho de chocolate é tão gostoso! Mas não mata a fome do dia todo... Agora você vai comer bem!

— Mas torta de carne de novo? Uma saladinha é bem-vinda também. Eu vou fazer uma, rapidinho!

— Nem pensar! Hoje eu faço tudo. Você deve tá cansada.

— Tô mesmo… mas valeu a pena. Sexta-feira a gente reinaugura, sem falta!





— Que bom! Quero sair de casa, trabalhando o tempo passa mais rápido… Amanda, mudando de assunto: o que você acha da gente sair amanhã pra fazer as unhas e dar uma arrumada no cabelo?

Sarah não tinha muitas vaidades, mas gostava de se cuidar. Estava sempre com as unhas pintadas e o cabelo bem hidratado. Naquele fim de tarde, usava roupas confortáveis: uma calça de lycra preta, blusa xadrez vermelho e preto de mangas longas, e sandálias acolchoadas. Mesmo grávida, cuidava com carinho do próprio visual.

— Pra quê? O meu esmalte ainda tá bom! — Amanda ergue as mãos e observa as unhas curtas, com esmalte preto já bem desgastado, pela metade.

— Pelo amor, né, cunhada? Não tem mais esmalte nessas unhas. Na verdade, quase não tem unhas nesses dedos! Você precisa parar com essa mania de cortar as unhas tão curtas.

— Eu gosto delas assim! Não consigo fazer nada com unhas compridas.

— Tá bom, tá bom… Mas vamos lá pelo menos pra me fazer companhia, já que você não quer fazer nada!

— Eu vou, mas só pra te fazer companhia… Nem tenho dinheiro pra ficar gastando em salão de beleza!






— Se quiser, eu te empresto! Ganhei uma graninha vendendo meus cupcakes pra padaria do seu Zé. Tô até pensando em oferecer em outras padarias. E eu tenho muito que te agradecer, viu? Porque a receita é sua. Você é uma cozinheira de mão cheia! Tá perdendo tempo não aproveitando esse talento!

— Obrigada, Sarah… mas não gosto mais de cozinhar. Aprendi tudo com a minha mãe… Ela adorava esse momento de mãe e filha na cozinha. Eu só fazia porque ela ficava feliz. — Amanda relembra, com saudade.




— Me desculpe, eu não queria te deixar triste… 

— Não fico triste, Sarah… só sinto saudades. 




Mais tarde, à noite, todos estavam sentados à mesa para o jantar. Desta vez, Amanda não se sentiu desconfortável com a presença de Hugo. Ele se sentou ao lado dela.
Hugo vestia uma calça de moletom preta com listras brancas nas laterais, uma blusa de algodão cinza-escuro com listras pretas finas e sandálias estilo gladiador pretas.
Amanda usava uma blusa de algodão azul e um short branco. Calçava sandálias Havaianas pretas.

— E como ficou a reforma da loja, Amanda? — Pedro perguntou à irmã. Ele vestia uma camisa de mangas longas branca com detalhes pretos, uma calça de pijama branca e sandálias Havaianas azul e branca.

— Ficou ótima! Se eu não tivesse marcado a reinauguração pra sexta, já abriria amanhã mesmo. Mas a Luísa só pode vir na quinta-feira à noite.

— A Luísa vai trabalhar lá também?

— Não. Ela só vai ajudar por uns dias.

— Que bom. A Luísa é sua amiga há bastante tempo.




— Pois é. Ela se ofereceu pra me ajudar e eu aceitei na hora!... Falando em velhas amizades… Vi uma pessoa do passado hoje. O Walter.

Pedro mudou de humor imediatamente.

— O que esse canalha tá fazendo por aqui de novo? Você falou com ele??

— Falei. Ele apareceu bem do lado da floricultura. Praticamente tropecei nele — não tinha como não falar!

— Ele fez de propósito! Eu não acredito que esse desgraçado voltou!

— Calma, Pedro! Eu não sou uma criança. Conversamos, e depois fui embora.




— Depois do que esse canalha fez com você, ainda tem coragem de falar com ele? Perguntou sobre a esposa dele? Ou esqueceu que ele se casou com ela depois de enganar vocês duas?

Pedro ainda sentia indignação pelo que Walter tinha feito com Amanda.

— Perguntei, sim. Ele disse que se separaram. Ele me pediu perdão. Eu perdoei, e...

— O quê?? Você não se cansa de ser feita de idiota?! — Pedro interrompeu, furioso por ela dar atenção a Walter.




— Acho melhor você baixar a bola! Você nunca se importou comigo. Sempre ocupado com seus estudos e suas novas amizades. Eu tive que me virar sozinha com a mamãe, então não tem o direito de falar assim comigo!
Quanto ao Walter... Não perdoei pra cair nos braços dele! Não sou a idiota que você pensa.
Só não guardo mágoas. Não sinto nada, nem mesmo raiva. E fiquei feliz quando me dei conta disso. Superei — e acho melhor você superar também!

Amanda respondeu no mesmo tom elevado que Pedro usava para criticá-la.

— Você tá sendo injusta quando fala da mamãe. Eu sempre dava um jeito de ajudar. Eu sei que não era o suficiente, mas era o que eu podia. Trabalhava em dois empregos pra pagar meus estudos e ajudar em casa. E mesmo à distância, nunca deixei de me preocupar com vocês!

— O dinheiro não era importante! A gente precisava que você voltasse! Mas você só voltou quando já era tarde.

— E o que você quer?... Eu não posso mais corrigir esse erro! Quer que eu vá embora?

Pedro estava nervoso. Sarah e Hugo pararam de comer, observando a discussão.
Sarah sentia tristeza. Hugo, atento e sério, estava curioso com os motivos daquele conflito.

— Amanda, Pedro… Vamos conversar em outro momento. Depois que vocês se acalmarem.
O Hugo não precisa participar dessa conversa. E estamos jantando — isso não faz bem pra saúde! — Sarah pediu com voz calma.




Amanda se levantou da mesa, olhando para Pedro.

— Você tem razão, Sarah! Ele nem deveria estar aqui. Ia ser melhor pra todo mundo se ele tivesse alugado um lugar só pra ele.
Mas o Pedro acha que tem direitos sobre tudo — até sobre a minha vida! Quer decidir as coisas sem me perguntar nada!

— Não é bem assim, Amanda… — Sarah ainda tentava trazer paz ao jantar.

— Perdi a fome. Aproveitem a comida.




— Você exagerou, Pedro! Tinha mesmo que falar com ela daquele jeito? A Amanda já sabe se cuidar! — Sarah estava realmente chateada com o marido.

— Me desculpa, amor… Perdi a calma. Aquele desgraçado do Walter voltou! Tenho certeza de que ele vai fazer de tudo pra enganar ela de novo.

— Ela já colocou ele no lugar! Deixa a sua irmã em paz!




Hugo não sabia o que havia acontecido no passado daquela família, e mesmo que não tivesse planos de se envolver por muito tempo, o assunto o incomodou.
“Não planejo ficar aqui, nem me importar com os problemas deles... Mas esse Walter estragou meu jantar! Se tiver oportunidade, gostaria de conversar com ele.” — pensou.




Amanda subiu para a varanda do segundo andar, em busca de silêncio, estrelas e pensamentos.



“Eu não devia ter contado nada pra ele… Quem o Pedro pensa que é, pra falar comigo daquele jeito, e ainda na frente do Hugo?! Agora ele deve tá pensando que sou uma qualquer que gosta de homem casado…”

Ela se sentia mal por Hugo ter ouvido tudo, mas se esforçava pra não se abalar por isso.
“Também não tô nem aí! Se ele pensar mal de mim, tanto faz! Não paga minhas contas e não é nada meu!”




Sarah, ainda magoada com Pedro, deixou o marido cuidando da cozinha e foi atrás da cunhada.



— Toc toc! Posso entrar?

— Claro que pode, Sarah… Mas nem vem tentar defender o seu marido! — Amanda cruzou os braços, na defensiva.



— De jeito nenhum! Tô bem chateada com ele. Acho que vai dormir no sofá por uns dias.

— Só se for pra te dar mais trabalho depois… com dor nas costas!

— Ele foi muito inconveniente com você. Não tinha o direito de se meter na sua vida, muito menos de falar aquelas grosserias.

— Fui uma idiota também. Não devia ter comentado sobre o Walter… Ainda mais na frente do Hugo. Ele nem é um conhecido nosso e… — Amanda parou, lembrando o que tinha dito durante a briga. — Que vergonha… o que ele não vai pensar agora? O Pedro podia ter me poupado disso — nossos problemas sendo jogados na cara, na frente de um estranho.

— Amanda… o seu irmão é um sem noção, mas você sabe que ele ama você, né? E o Hugo… é um homem sensato. Discreto. Apesar da pouca idade, é bem maduro. Tenho certeza de que não vai pensar mal de você.



— E se pensar, eu não ligo! É só ir embora daqui e tá tudo bem!
Olha… eu sei que o Pedro me ama, ele é meu irmão, e eu também amo ele.
Mas por que vocês colocaram o Hugo aqui antes de eu chegar? Sinto na pele que isso não foi uma boa ideia.
O Pedro sempre acha que tá fazendo o certo por todo mundo. Achou que indo pra San Myshuno ia arrumar mais dinheiro. Se afastou de nós… tava sempre ocupado, estudando ou trabalhando.
Entrou em negação quando a mamãe adoeceu, fingia que tudo ia acabar bem, mas eu sabia que não ia…
Eu tive que ser forte quando tudo tava desabando. Eu fui forte. E ainda sou.
Ele acha que eu não consigo lidar com o Walter — que nem é mais nada pra mim!

— Você é tudo que eu queria ser, Amanda…
Me sinto inútil, não sei se conseguiria sobreviver a tudo que você passou.
Quando conheci o Pedro, ele não tava nada bem… e nem eu. A gente meio que se consolou: ele cuidava das minhas frustrações e eu das tristezas dele.
Me sinto culpada por ele não ter vindo morar aqui antes.
E quanto ao Hugo… fui eu que incentivei o Pedro a chamar ele pra montar o escritório aqui.
Eu não queria que o Pedro trabalhasse longe de mim.
Quando ele falou sobre a possibilidade de home office, pedi pra acelerar a obra…
Não queria ficar longe dele. Ainda mais grávida… tenho medo que aconteça alguma coisa com esse bebê.



— Você não é culpada… e não vai acontecer nada com a minha sobrinha! Agora, sobre o Hugo…

— Desculpa, Amanda!

— Tá bom, Sarah… Ele nem vai ficar muito tempo aqui, né?

— Acho que menos do que a gente imaginava.
Tem outra coisa que eu queria te contar… Sobre quando a sua mãe estava doente.
Eu não sabia que era tão grave. Sempre que o Pedro ficava triste, eu fazia de tudo pra animar ele, pra ver se esquecia um pouco — odiava ver ele daquele jeito.
Hoje me arrependo de não ter pedido pra ele me trazer aqui.
Eu queria ter conhecido a minha sogra…

— Mas é isso que a gente faz quando ama alguém, né?
A gente quer ver a pessoa feliz.
Você não tem culpa dele não ter vindo morar com a gente.
E se tivesse conhecido a minha mãe… teria amado ela.
Era uma pessoa simples, de um coração imenso.




— O Pedro me mostrou umas fotos… Você se parece muito com ela.

Por que não tem fotos dela pela casa?
A gente podia pendurar algumas!

— Ela não queria. Odiava tirar fotos.
Mas eu tenho algumas guardadas… Vão ficar comigo pra sempre.

— Vocês eram parecidas mesmo, porque você também não gosta de tirar fotos.

— Minha mãe se achava feia.
Achava que meu pai foi embora por causa disso, por ela não gostar de se arrumar feito uma dondoca.
Era uma mulher sem vaidade…




— Mas andar arrumada não quer dizer que é dondoca!
Eu gosto de cuidar da minha aparência, me sinto bem assim.
Mas não sou metida a besta, viu?

— Mas eu não te chamei de metida!
Nossa… você tá sensível, deve ser a gravidez. Me desculpa, tá?

— Só se você me desculpar primeiro!

— Hummm… não sei não!
O Hugo ainda não foi aprovado!

— Dá uma chance pra ele… pelo menos um pouquinho. Nem que seja só de amizade?

— Eu disse que vou pensar!

— Tudo bem…
Mas e a nossa saída de amanhã? Foi sabotada pelo meu marido?

— Claro que não!
Vamos sair sim, eu e você! Arrumar as unhas, o cabelo…
E agora aceito aquele dinheiro emprestado!




— Sério, Amanda? AAAHHHH que felicidade!
Só nós duas, o dia inteirinho, cuidando da gente!

— Isso mesmo.

As duas cunhadas, amigas e confidentes, se abraçaram.
A conversa afastou, mesmo que por um instante, as dores que as lembranças tristes deixaram.




Mais tarde, depois de organizar a cozinha com a ajuda de Hugo, Pedro se aproximou do colega, ainda com o peso do arrependimento.



— Hugo, eu peço desculpas pela discussão com a Amanda.
Perdi o controle. Falei coisas desnecessárias…
Ela deve estar me odiando, mais do que já odiava. — Pedro parecia abatido.

— Eu não acho que seja verdade.
Mas sim, você foi infeliz na escolha das palavras.

— Sei…
Mas aquele desgraçado do Walter já causou tanto sofrimento pra ela.
Tenho certeza de que tá mentindo quando disse que se separou da esposa.
Ele é um canalha, um enganador!

— Pedro… esse assunto é íntimo.
Pessoal, tanto para família quanto, principalmente, para sua irmã.
Ficou claro o constrangimento que a conversa causou a ela.
Seja mais discreto. Não exponha esse tipo de problema para pessoas em quem ela não confia.

— Sim, eu errei!
Mas confio em você.
Sei que o problema é dela, e que deveria ter conversado com você a sós.
Considero você um amigo… e queria saber o que fazer se aquele traste resolver se aproximar de novo.
Preciso de um conselho seu.

— Entendo.
Mas me diz uma coisa: você está preocupado como irmão protetor… ou está agindo como um irmão ciumento?

— Protetor!
Mesmo que ela ache o contrário, mesmo que pense que eu não me importo…
Eu me importo, Hugo.
Eu amo minha irmã. E não quero que ela sofra nas mãos daquele canalha de novo!



— Pelo que parece, ele tinha um relacionamento duplo… Enganava as duas.

— Sim! A Amanda só tinha 17 anos…
Ele já era maior de idade quando se conheceram.
Se aproveitou da inocência dela.

— Uma mulher de 17 anos não é tão inocente assim. Já tem consciência do que está fazendo.

— Mas a Amanda era inexperiente.
Nunca tinha namorado, quase não tinha amigos…
Ele conseguiu se aproximar porque trabalhava no lugar onde ela fazia um curso.
Foi se fazendo de amigo e, não demorou muito, conquistou o resto.
Depois que ela se apaixonou, descobriu que ele já estava noivo de outra, e essa outra ainda engravidou dele.

— E o que ela fez quando descobriu?

— Ela não me contou todos os detalhes…
Só sei que sofreu. Muito.
Sofreu por amor.
E, pouco tempo depois, nossa mãe adoeceu.
Eu não pude vir pra cá, porque estava num emprego ótimo… que, por ironia do destino, me demitiu logo depois.
Amanda tem toda razão de sentir raiva de mim.
Mas eu amo a minha irmã. E não quero ver ela sofrer de novo… ainda mais por ele!

— Não sou a melhor pessoa para te aconselhar.
Não tenho irmãos.
E nunca fui bom em resolver esse tipo de coisa só na conversa.

— Mas se fosse você, Hugo…
O que faria no meu lugar?

Hugo pensou antes de responder.
Se dissesse o que realmente faria, assustaria Pedro.

— Quer mesmo saber?

— Por favor. — Pedro insistia.





— Se ela fosse minha irmã… esse problema já teria sido resolvido de forma definitiva.
Mas somos pessoas diferentes.
Não posso te dizer para fazer o que eu faria.
No entanto… estou disposto a te ajudar. Como amigo. Se você quiser.

Pedro ficou em silêncio por alguns segundos.
Tentava imaginar o que seria essa tal “forma definitiva” que Hugo mencionava.
Assustava… mas também inspirava confiança.

— Eu quero.

— Primeiro, a gente tenta uma conversa amigável com ele.
Sondar as intenções.
Se estiver tentando se reaproximar da Amanda, teremos uma segunda conversa…
um pouco menos amigável, para deixar o recado.
Tenho quase certeza de que ele não vai querer chegar à terceira.
Mas… se ainda insistir…
Bom, posso quebrar um braço. Ou os dois. Você escolhe.

Hugo disse aquilo com a frieza de quem negocia um contrato.
Sem raiva. Sem hesitação.
Prático, objetivo, calculista.




— Você tá falando sério? — Pedro mal podia acreditar. Mas algo em seu instinto dizia que não era brincadeira.

— Estou. — respondeu Hugo, seco.
Pra ele, isso era normal.
Ações comuns na vida que levava antes de vir parar naquela cidade.
Já tinha feito pior… por lealdade ao seu antigo mentor, Marcelo.
Mas agora… aquele assunto com Amanda começava a incomodar mais do que deveria.

— Obrigado, Hugo…
Vamos esperar, né?
Se ele aparecer, eu te aviso.
A gente tenta resolver, mas sem ossos quebrados, por favor. Isso pode parar na delegacia… e eu não quero te colocar em risco.
Ele não merece toda essa atenção.

— Tudo bem. Você quem sabe.
Vou dormir. Amanhã cedo tenho reunião com aquele cliente.

Hugo se afastou, sem olhar para trás.



 Amanda ainda estava na varanda pensativa quando viu Hugo sair de dentro da casa. 



Sozinha com seus pensamentos, ela não conseguiu evitar:

"Acabei sendo grossa com ele... Eu não queria que viesse morar aqui, mas ele não tem culpa do que aconteceu. Foi o Pedro que ofereceu o porão pra ele alugar. Ele tá pagando tudo direitinho, e mesmo assim fui mal-educada..."

"Não gosto desse jeito dele… Ele me incomoda. Não sei por quê.
A gente mal se fala, mas… tenho essa sensação estranha…"

"Eu podia simplesmente ignorar a presença dele e tava tudo certo.
É isso, Amanda. Seja educada.
Ele vai se mudar logo, e você não precisa ter raiva dele.
Por que teria raiva, se ele tá ajudando a gente, né?
Ai, que idiota que eu sou.
Amanhã eu falo com ele."



"Não tenho que me envolver nos problemas dessas pessoas. Preciso recuperar o dinheiro que a Vivian me deve o mais rápido possível. Sairei do país e viverei uma nova vida, longe de tudo isso."




Mas então, ele pensa em Amanda.

"Agora entendo um pouco da personalidade dela. Passou por situações complicadas... Talvez, antes de ir embora, eu devesse conhecer esse ex-namorado dela. Teríamos uma única conversa. Estou saindo do país mesmo..."




Quarta-Feira. Manhã de clima agradável.





Amanda foi a primeira a acordar.
Tomou banho, fez a higiene bucal, vestiu-se com roupas simples:
calça jeans clara, blusa de algodão caramelo com mangas até o cotovelo, tênis preto de skatista, já bem usado.
Cabelos soltos, um pouco ressecados. Nenhuma maquiagem.




Na noite anterior, durante uma discussão com Pedro, acabou dizendo coisas que poderiam ter ofendido Hugo.

Aquilo ficou martelando na cabeça dela.

Decidiu que, no dia seguinte, pediria desculpas.




Logo que terminou de se vestir, desceu até a antiga garagem coberta, o acesso ao porão que Hugo alugava.

"Não sei como pedir desculpa pra ele… Vai ficar se achando. Mas eu não devia ter falado aquilo. Eu não sou assim..." — pensava, parada no topo da escada, sem coragem de descer.




Quando finalmente decide ir, ouve passos subindo.
Ai, merda! Lá vem ele! Eu ainda não sei o que dizer! — sentiu o estômago revirar.



Hugo sobe os últimos degraus e a encontra ali, parada.

Surpresa. Nervosa.

Ele finge não notar o susto dela. Mas cumprimenta, educado:

— Bom dia, Amanda.

— Bom... bom dia! — ela responde, sem conseguir esconder o nervosismo.

— Tudo bem? Você parece... nervosa.

Ele não podia mais fingir que não percebia.
Ignorar seria grosseria.
Ele queria não se importar. Mas queria que ela achasse que ele se importava.



Hugo estava a caminho de uma reunião com clientes.
Vestia-se como alguém que fazia questão de parecer bem, sem esforço.
Calça jeans azul de grife, camiseta branca por baixo de uma camisa marrom escura, mangas longas dobradas até os cotovelos.
Os três botões de cima abertos deixavam à mostra a camiseta interna e um colar discreto.
O Ray-Ban aviador clássico estava pendurado no colarinho.
Nos pés, uma bota social marrom de couro, cano médio, com fivelas prateadas.
No pulso, uma pulseira de couro preto.
Alguns anéis em prata e ouro branco completavam o visual.
O perfume? Marcante. Másculo. Quase hipnótico.

Amanda tentava não parecer afetada pela presença dele. Mas era inútil.

— Hugo... eu queria pedir desculpa pelo que disse ontem, durante a discussão com o Pedro.
Falei aquilo pra atingir ele, não você.
Prometi que ia tentar ser mais amigável com você, pelo menos até você se mudar daqui.
Ser... legal faz parte, né?

Ela falava depressa, sem olhar nos olhos dele.

— Tudo bem. Você não me ofendeu.

— Não?

— Não. Aquela conversa era entre vocês. Eu não devia estar lá.




— Mas você tava... E eu disse que podia fazer as refeições com a gente.
Eu é que falei demais... — ela lembra do que fora dito sobre seu ex. O rosto esquenta.
"O que ele deve estar pensando de mim agora? Que eu sou uma mulher vulgar por ter namorado um homem casado... Ele não sabe a verdade..."

Ela respira fundo e continua:

— Pois é...
Eu não quero que você pare de comer com a gente.
De agora em diante, eu e o Pedro vamos resolver nossas coisas sozinhos.
Como eu disse ontem... vamos tentar conviver bem enquanto você estiver por aqui.
Eu sei que você tá ajudando a gente.
Pagando contas, emprestou dinheiro pro Pedro...
E ainda parcelou tudo pra ele pagar do jeito que pode.

— Não se preocupe. Ele está me pagando com serviços.

— Mas é muito dinheiro!

— Não tanto.
E ele está fazendo horas extras. Vai quitar tudo em pouco tempo.

— Se você diz... — Amanda sabia que ele estava tentando ser educado.
Mas a quantia era alta. Ela sabia.




— Então... será que agora a gente vai se entender?

— Achei que a gente já tava se entendendo.

— Eu gostaria de ser seu amigo. — Hugo falou, com aquele jeito direto e sereno, mantendo o olhar firme nos olhos dela.
Amanda desviava o olhar, às vezes abaixava a cabeça, como se as palavras dele pesassem mais do que queria admitir.

— Por quê? — perguntou desconfiada, a dúvida dançando na voz. Parte dela ainda receava que ele estivesse apenas se aproveitando da conversa que Pedro teve na noite anterior.

— Porque gosto de você. — Hugo respondeu sem hesitar. A naturalidade do tom surpreendeu até a ele mesmo. — Eu gosto de você, Amanda.
Você é uma mulher de personalidade forte, tem caráter.
E não precisa achar que eu vou te julgar por causa do que aconteceu no passado.
Já sei de tudo. Seu irmão me contou.
Você foi enganada por um moleque. Ele não era um homem, ou, pelo menos, não se comportou como um.

Amanda ficou sem palavras. Boquiaberta. O coração acelerou.

— Não precisamos mais tocar nesse assunto — Hugo continuou, mantendo a compostura. — Só quero saber se você aceita a minha amizade.
Se aceitar, é amizade de verdade. Vamos conversar normalmente, quem sabe até sair para tomar um café... sem cara feia, sem mal-estar.

— O quê? — Amanda piscou várias vezes, sem saber como reagir. Há poucas horas, só de vê-lo por perto ela se irritava.
E agora... agora sentia um calor nas bochechas, uma leveza estranha no estômago. Borboletas? Não, isso não...

— Você não tem amigos homens? — ele provocou com um leve sorriso. No fundo, queria que ela dissesse sim, queria quebrar aquela muralha.

— É claro que tenho! — respondeu, um pouco mais defensiva do que gostaria.

— Então, serei só mais um.
Mesmo depois que eu for embora, quero continuar falando com você. Se um dia precisar de ajuda, eu posso estar por perto.
É tão ruim assim ter mais um amigo?




— Eu não conheço você... não sei o que dizer!

— Só diz: “Hugo, aceito a sua amizade.”
A gente se conhece depois. Quando formos amigos.

Amanda olhou para ele. E, por um instante, se perdeu naquele olhar azul.
Olhos que pareciam calmos, mas escondiam uma intensidade desconcertante.
Cílios longos demais, quase indecentes.
Um olhar que ora parecia frio, distante, e no segundo seguinte a fazia se sentir completamente exposta, como se ele pudesse ver através dela.
A boca... sempre com aquela expressão neutra, mas que de relance sugeria um sorriso sarcástico, provocador.

— Eu aceito... a sua amizade — disse, enfim. As palavras saíram devagar, pesadas, como se selassem algo.
Um pacto. Uma linha cruzada.



— Viu? Agora somos oficialmente amigos.
E se precisar da minha ajuda no dia da reinauguração da floricultura, é só chamar.

— Não é má ideia.
Vou mesmo precisar! A reabertura é sexta-feira.
Vou contar com a ajuda da minha amiga Luísa e da Sarah também… mas precisamos de um braço forte.

— Eu tenho dois. Pode contar comigo.

— Será que você vai mesmo? Vai ter que carregar peso, viu?





— Eu vou.
Pode me procurar para o que for. Somos amigos agora, e como eu disse… eu gosto de você.

— Tá bom. Somos amigos.
Mas essa história de tomar café... acho que vai ser só em casa mesmo.

— Por enquanto.

— Por enquanto? — O que ele quis dizer com isso?
Por que ele continua repetindo que gosta de mim?
Esse frio na barriga... não pode ser o que tô pensando. Ele não é o meu tipo. Não mesmo! Mas por que tinha que ser tão bonito?

— Preciso ir. Tenho uma reunião com alguns clientes.
Você vai sair com a Sarah hoje?

— Vou! Quer dizer... vou fazer as unhas!

— Que bom. Aproveita. E tenha um ótimo dia!

— Obrigada... bom trabalho pra você também!
Vou... cuidar das minhas plantas agora.

— Até mais tarde, Amanda. — Hugo disse, com aquele meio sorriso quase imperceptível, e saiu em direção ao carro.

Amanda ficou parada por alguns segundos, como se ainda sentisse o perfume dele no ar.
Aquela conversa... aquele olhar...
Ela queria dizer que não significava nada.
Mas o coração... não concordava.



Continua...



Imagem gerada por IA.




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