Os Descendentes 07.

 

O dia amanhece em San Myshuno, mas ainda é muito cedo.

Higor chegou junto com Mariana no apartamento de Raquel, ele tinha ido buscá-la para ir ao trabalho, e Mariana era diarista e amiga de faculdade de Raquel, ela limpava o apartamento nos finais de semanas.

Mariana era de família pobre, então tinha que trabalhar para pagar os estudos, ela tinha dois empregos, trabalhava como operadora de caixa e nos finais de semanas, como faxineira de Raquel, e recebia bem pela faxina, já estava trabalhando lá, desde quando Renata ainda morava com Raquel.

— Bom dia Mariana, tudo bem com você?

— Bom dia Higor, tudo ótimo! Que bom ter encontrado você, não vou precisar chamar a Raquel porque você tem a chave né?

— Tenho sim, vamos entrar!

"Que homem é esse, a temperatura sempre sobe quando eu vejo ele! A Raquel é tão sortuda, tá sempre acompanhada com esses deuses vikings!".

"Sinto o cheiro da excitação dela, mas eu sou um homem comprometido e muito apaixonado, não posso dar atenção a esses tipos de tentações".

— Sabe, não é da minha conta, mas porque você e Raquel não oficializam o namoro? Se fosse comigo já marcaria logo meu território: Esse é meu!

Higor dá uma bela risada antes de responder.

— Pois é, nós estamos tentando conciliar a vida profissional com a pessoal primeiro, mas logo oficializaremos a relação, assim eu espero!

Raquel já estava à espera de Higor e Mariana, ela ouviu a última parte da conversa.

Ao entrarem e se depararem com Raquel em pé e aparentemente séria, Higor e principalmente Mariana, ficaram um pouco tensos.

— Bom dia ao dois! Que bom que chegaram ao mesmo tempo. — Logo, a tensão se desfez com um sorriso, e um bom dia sincero e caloroso de Raquel.

— Bom dia Raquel, hoje eu vim mais cedo porque vou precisar resolver umas coisas para a minha mãe, me desculpe por não ter avisado antes.

— Tudo bem Mariana, não tem problema! Mas hoje vou precisar de um pequeno favor seu, e não se preocupe porque não vai atrapalhar os seus planos para hoje.

— E mesmo que atrapalhasse eu faria esse favor, quantas e quantas vezes você me ajudou, sempre me dá mais do que o combinado e adiantado ainda?!

Foi então que Higor viu o cachorro, mesmo tendo seu olfato apurado, não conseguiu sentir o cheiro do animal, ou seja de Hakon, porque ele estava protegido pelo feitiço que conjurou antes da transformação.

— Mas o quê? .... Você comprou um cachorro?

Raquel tentou explicar sobre o cachorro, e pediu para que Mariana o alimentasse já que ele não comeu as torradas com ovos que ela tinha deixado, disse a ela que o animal era dócil e não deu trabalho durante a noite.

Higor não gostou da novidade, estava intrigado para saber como ele entrou na casa.

— Eu devo ter deixado a porta aberta quando sai com você, deve ter sido isso. — Explicou Raquel para ele.

— Você sabe que não é verdade, você não é distraída, muito menos deixaria a porta da sua casa aberta.

— Prefiro não pensar nisso agora, mas ele não deu trabalho algum.

Higor resolveu deixar de lado por enquanto, e deu um beijo de bom dia na sua amada. Hakon não gostou do que viu, mas manteve o controle, não queria quebrar o disfarce, nem bancar o cachorro ciumento.

"Pelo menos não tô segurando vela sozinha dessa vez! ... Paixão platônica é fogo viu, ainda mais que Raquel é tão legal comigo, mas não é nada sério, eu sei o meu lugar!".

Hakon ouvia os pensamentos de Mariana. — "Os humanos são criaturas desprezíveis, cheios de inveja, luxúria, ganancia e outros sentimentos imundos, estão corrompidos por todos os pecados; como posso me acostumar a viver entre eles, quanto mais os conheço, mais sinto vontade de me afastar deles".

Continuou observando os dois conversarem, Hakon sentiu o cheiro de lycan logo que Higor entrou, ele era um descendente puro, fácil de ser rastreado, Raquel também tinha a genética de um lycan (lobisomem) no sangue, mas bem misturada com outras, e que vinha de gerações antecedentes a dela.

Os dois precisavam ir para o "Clã Raziel" mesmo ainda sendo pouco mais de 6:00 da manhã. Pretendiam comer alguma coisa antes, iriam tomar café juntos, e Raquel antes de sair, pede mais uma vez, para Mariana cuidar bem do cachorro e trancar bem as portas quando fosse embora.

Foram para um barzinho e também restaurante, do lado da casa de Raquel. Higor ainda queria saber como o cachorro entrou na casa de Raquel.

— Para de ser tão implicante com o coitado!

— Você tem que levar logo para um abrigo de animais!

— Eu sei que não posso ficar com ele, não tenho tempo para nada além do que diz respeito ao clã... vou levá-lo para um abrigo de animais e garantir que seja adotado por pessoas boas.

— Você gostou mesmo desse cachorro! Ignora o modo como ele apareceu na sua casa.

— O que você quer dizer, que ele é uma criatura ruim?

— Ele é apenas um cachorro, se fosse mais do que isso eu teria sentido, mas...

— Mas nada! Estou com fome e quero comer em paz! Não acredito que você está com ciúme do cachorro?

— Ciúme do cachorro, eu? Ah por favor, eu sou bem mais bonito, os lobos são sempre mais fortes e atraentes! — Higor brinca com Raquel.

— Eu concordo! E não é apenas eu, Mariana, Ana Clara e outras garotas também.

— O que você tá falando amor? ...

— Não se faça de bobo desentendido!

— Eu só tenho olhos para você, o meu mundo é você Raquel...

— Eu não sei não! Vejo os seus olhos viajando por outros mundos de vez em quando.

— Raquel?!!

— Você é livre para fazer o que quiser Higor, é um homem bonito as meninas não têm culpa de desejarem você, e se elas vissem como você é sem roupa, as cicatrizes do corpo te tornam bem másculo sabe?!...

— Nós podemos comer em paz, por favor? Que conversa estranha.... Até parece que você quer mesmo que elas me vejam assim.

Quando criança, Higor foi acampar com a família, com os pais e o irmão mais velho, na época ele tinha 7 anos e seu irmão Algon, 10 anos. Foi atacado por um lobo, acamparam na floresta fechada, então apareceu um lobo marrom e enorme, feriu Higor e Algon, quase conseguiu matar a mãe deles quando ela entrou na frente do lobo para defendê-los, o pai não estava no acampamento na hora do ataque, e a floresta não costumava ter lobos, os guardas florestais sabiam que tinham ursos, mas eles não costumavam se alimentar naquela área, esse ataque do lobo gigante não constou nos registros dos guardas, eles não acreditaram na história da mãe das crianças feridas, e foram todos parar na delegacia, o delegado era amigo do pai, Algor, e já sabia que o amigo era um caçador nada convencional, então os liberou, e os menino (Higor e Algon), tiveram atendimento sigiloso no hospital. Dos irmãos, Algon foi o que sofreu mais ferimentos ele tinha mais cicatrizes inclusive no rosto, já Higor ficou com cicatrizes apenas no corpo.

— Eu quero que saiba que não me deve nada, somos livres para fazer nossas escolhas.

— Você é minha escolha Raquel, sabe como eu amo você... por mim já estaríamos namorando.

— Já conversamos sobre esse assunto, ainda não é hora!

— Tudo bem, baby, eu espero a hora chegar....

Na Base B do "Clã Raziel".

Algon Fenrys esperava por eles, estava aguardando Raquel.

Algon era o irmão mais velho de Higor, tinha um pouco de inveja do irmão por ser o lycan de sangue puro, Algon não considerava seu irmão superior a ele, mas os dois se davam bem, nunca brigaram, os dois eram muito disciplinados.

— Que bom que retornou em segurança, da busca inútil pela sua irmã!

— Obrigada Algon, vejo que por aqui nada mudou, continua insuportável como de costume.

— Eu faço o melhor que posso, sempre! Meu pai quer falar com você, temos uma execução hoje, e em comemoração pela sua volta, deixaremos você com a porta da churrasqueira!

— Argh! Odeio essas merdas! Tinham que me esperar mesmo?

— Raquel não diga isso, nós lideremos e devemos participar de todas as execuções!

— Eu dispenso essa!! Odeio o fedor de carne podre e queimada!

— Entregue a liderança para outra pessoa então, você não pode abrir mão das suas responsabilidades!

"Vai se ferrar idiota! ”. — Raquel não gostava de participar de execuções nas celas de vidros.

Naquela manhã eles iriam executar uma criança recém transformada, um menino que tinha sido mordido propositalmente, por um vampiro e alimentado com o sangue dele, foi transformado na saída da escola, e deixado na sua casa. A mãe pensou que a criança estava apenas com uma virose, mas depois, quando anoiteceu, ele terminou a transformação e matou os pais, e o irmão. As duas que estavam dentro da jaula com o menino, eram:

Ana Clara, caçadora da equipe de Higor.

Valentina, a bruxa daquela base, ela iria conjurar o feitiço das chamas para matar o menino vampiro.

Cada base tinha uma bruxa (bruxo) ou feiticeira (feiticeiro), existem diferenças entre eles.

FEITICEIRO (A)

Aquele que se dedica a pratica de feitiçaria. Geralmente não segue nenhuma corrente filosófica.  Seus feitiços estariam relacionados a encantos e seduções. Feitiço seria a transmutação de algo, uma mudança do natural através de palavras e gestos.

Muitas Bruxas por praticarem Magia Branca, preferem serem chamadas de Feiticeiras. No entanto feiticeiro pode ser usado tanto para praticantes de Magia Branca como para praticante de Magia Negra.

BRUXO (A)

Bruxo nada mais é do que aquele que pratica bruxaria. Bruxaria é sinônimo de Magia Negra (ato de usar as forças da natureza para influenciar negativamente as pessoas e os fatos). Todo aquele feiticeiro que pratica magia negra é denominado bruxo.

Raquel tinha dificuldades em matar crianças que eram transformadas. Isso já tinha acontecido algumas vezes, mas era raro de se ver, a primeira criança que Raquel viu transformada foi uma amiga de escola, quando ainda era uma criança também, ela teve que participar e ver a amiga ser executada.

— Porquê tenho que ficar aqui? Já tem caçadores suficientes, ele não vai fugir!

— Terá que participar sim! Você é a convidada especial, e estamos sendo filmados, transmissão ao vivo para o conselho! — Algon fazia questão que Raquel permanecesse ali.

— Acho desnecessário, já que ela não quer ficar. — Higor ainda tentou livrar Raquel, mas Algor, o pai, insistiu.

— Ela deve ficar! O conselho exigiu isso, não eu.

O menino estava horrorizado com tudo o que tinha acontecido com ele, foi transformado apenas há três dias, no primeiro dia matou a família dele e no segundo foi capturado. Ele não conseguiu entender o que estava acontecendo, mas a sede por sangue o controlava, e os caçadores não tinha piedade por qualquer que seja, que fosse transformado em vampiro.

Valentina lança o feitiço das chamas, e ele começa a queimar e gritar. Um grito de dor e muito fino, mas ele teria que ser executado, caso contrário mataria mais pessoas inocentes.

— Já basta para mim!

Raquel saiu sem a permissão de Algor, o pai de Higor e chefe da Base B. Higor ficou no lugar de Raquel, e terminaram a execução.

"Desgraçados de merda!!! Sei que ele fez isso para me incomodar, me prejudicar na frente do conselho! Pois bem, que se danem todos! Algon idiota, invejoso!".

"Aposto que a vadiazinha bruxa sádica, também está no meio, os dois estão juntos que eu sei! .... Vocês me pagam!".

Depois que terminaram de executar o vampiro, sob a observação do conselho, através de câmeras que filmavam tudo, e ao vivo. Eles se reuniram para falar com Raquel.

— Fico feliz que tenha voltado bem da sua busca, espero que tenha tirado suas dúvidas, quanto ao desaparecimento da sua irmã.

— Obrigada senhor, eu tirei sim! .... Agora sei que Renata está morta, pois não consegui encontrar nada.

— Você ainda não superou a morte da sua amiga, que foi transformada quando criança? Terá que vencer essa fraqueza Raquel, deixou a desejar na frente do conselho.

— Não precisavam de mim ali, e não considero isso como fraqueza, saberei o que fazer se uma criança vampiro me atacar ou mesmo se encontrar solto pela cidade.

— É mesmo? .... Espero que sim filha, você nunca me decepcionou, eu confio em você, sabe disso, não é?

— Sim senhor! E não irei decepcioná-lo, me perdoe por ter envergonhado o clã na frente do conselho, não era essa a minha intenção, tentarei superar isso.

— Não nos envergonhou.... Eu apenas quero que eles saibam que você é a melhor, em tudo, sem fraquezas. Agora vamos falar do seu pai.

— Sim, eu vim vê-lo, onde ele está?

— Ele saiu ontem para acampar, na mesma floresta onde costumávamos ir, quando vocês eram ainda crianças, mas estou preocupado.

— Na mesma floresta do ataque do lobo? Mas não voltamos mais ali, ele mesmo não quis.

— Quero que vá atrás dele, acho que está querendo encontrar com o mesmo.

— Mas por que ele quer ver esse lobo? Se dizem que nem existe.

— O lobo existe! Mas não deve mais habitar naquela floresta, porém, tivemos relatos que uma nova criatura e igualmente perigosa está caçando naquela área, já mandamos outros caçadores, mas eles não conseguiram encontrar essa criatura. Tenha muito cuidado!

— Se ninguém conseguiu encontrar, então ela não existe, mas mesmo assim vou atrás do meu pai, agora mesmo!

— Talvez ele não queira vir, nos últimos dias pareceu estar bem, mas depois, acho que o sofrimento afetou a sua mente, não dê muito importância as coisas que ele diz, apenas traga meu amigo de volta. — Algor falou isso, pois temia que Daniel, o pai adotivo de Raquel, falasse sobre Tessa para ela, Daniel Camargo, não estava muito bem, e poderia esquecer do sigilo que prometeu fazer.

— Não se preocupe, trarei ele de volta nem que seja arrastado!

Higor vai atrás dela, ele a encontra no estacionamento.

— Espera Raquel! Vou com você.

— Não Higor! Eu preciso de um momento a sós com o meu pai, entende?

— Mas e se precisarem de ajuda, caso exista mesmo essa tal criatura, ou algum animal selvagem aparecer?

— Eu sei me cuidar, acho que já está mais do que provado!

— Então leve o rádio dessa vez, eu não quero que desligue!

— Sim senhor! Mais alguma ordem senhor?

— Sabe que não posso mais te dar ordens, mas por favor se cuida.

— Higor... Não estamos sozinhos! — Higor nem se dá conta de que estão na sede do clã, e sendo observados.

Ao perceber que Valentina e Ana Clara se aproximavam, eles disfarçam e se despedem. Raquel iria atrás do pai que se meteu em uma floresta, e Algor estava preocupado com ataques da criatura, e também com o estado mental de Daniel.

Valentina se aproxima para conversar com Raquel.

— Raquel ainda não te dei as boas vindas, seja bem-vinda novamente!

— Obrigada Valentina, mas eu não pretendia ir para sempre, tenho responsabilidades com a minha equipe e além do mais, também tenho algo valioso aqui. — Ela fala olhando para Higor, que dá uma risada discreta.

— Que pena que você ainda tem essa fraqueza, a piedade por crianças vampiros! Mas não se preocupe meu bem, nem todo mundo é perfeito, a grande Raquel é humana afinal.

"Tenho que me controlar, ou vou partir essa cara dela ao meio".

Depois de ouvir as provocações de Valentina, assistida por Ana Clara, Raquel entra em um dos carros do Clã Raziel, e sai em busca do seu pai, como Algor ordenou, e mesmo que não tivesse ela teria ido pois queria muito ver o pai.

"Vou arrastar aquele velho, vai voltar para o meu apartamento! Estou morando sozinha mesmo. Posso cuidar do meu pai. Vai ser bom ter alguém para conversar de novo, mesmo que seja um velho rabugento".

Continua...