Os Descendentes 04.






Já havia se passado dez dias desde que Raquel saiu de licença e não deu notícia alguma para Higor, então ele resolveu sair em busca de pistas, descobrir onde ela estava. Assim, ele foi até a casa dela em San Myshuno.




Estava com uma integrante de sua equipe, Ana Clara Maison. E ela não concordava com essa ideia de vasculhar a casa de Raquel.




— Não se preocupe, Clara. Tenho a chave, então isso não é uma invasão.
— É bom que não seja mesmo. Não quero ser rebaixada a zeladora da base… Mas como conseguiu a chave do apartamento dela?
— Ela me deu.
— Deu pra você? Como assim? Espera aí… Vocês estão namorando? Estão juntos?





— Não seja tão curiosa! Ela confia em mim e isso é tudo que você precisa saber. Agora vamos?




Ana Clara era assumidamente apaixonada por Higor, mas ela sabia que não tinha chances. Ele era muito disciplinado, assim como Raquel, ou até mais, e não tinha tempo para gostar ou se envolver com ninguém. Mas os rumores de que ele e Raquel eram um casal já havia se espalhado pelo Clã Raziel.
— Não precisa ficar nervoso, chefe! Mas olha… Por que não assume logo que tá namorando ela? Todo mundo já sabe.
— Não estou nervoso, e isso não é da sua conta, é? Se estamos namorando ou não, só é interessante para nós mesmos. Agora vamos entrar, eu não pretendo passar a noite aqui!




Ao entrar na casa de Raquel, Higor sentiu o cheiro de muitas coisas: o cheiro do chocolate ainda não totalmente cozido, e que já estava apodrecendo no fogão, o cheiro dos croissants e do café com leite que estavam na bancada, ele sentiu o perfume dela, mesmo que ainda bem leve no ar. Higor tinha o olfato aguçado, mais do que o normal, e o perfume que estava sentindo era o mesmo que ele deu a ela, um perfume cítrico e agradável para ele.




— Ela adora chocolate, não chegou a terminar de fazer o famoso brigadeiro de colher… Raquel foi surpreendida com alguma coisa.




— O que você acha que aconteceu, o que foi que surpreendeu a Raquel assim? — Ana Clara percebia que Higor estava preocupado, agora mais do que antes de entrarem na casa.
— Alguma notícia inesperada que a fez sair às pressas?… Temos que olhar mais, procuraremos por pistas que possam esclarecer nossas dúvidas!




Os dois começaram então a busca por pistas. Higor já tinha dado instruções do que Ana Clara iria procurar. Bilhetes, folhetos, passaporte ou mesmo passagens de ônibus, qualquer coisa que pudesse mostrar para onde ela foi. Ele foi para o andar de cima, onde ficava o quarto de Raquel, e mais outros cômodos da casa.
Raquel morava sozinha na casa, mas, antes, a irmã Renata morou ali com ela. Os pais moravam em Windenburg, em uma casa pequena. As duas filhas se mudaram para a cidade depois que começaram a fazer faculdade. Os Camargo tinham uma boa condição financeira, devido à herança de Rafaela, a mãe das duas, ela comprou essa casa para as filhas poderem estudar e morar em San Myshuno, pouco antes de Renata desaparecer.




  “O perfume não está tão fresco, mas isso quer dizer que a casa estava fechada. Preciso saber onde você está, Raquel! ” — Ele pensou, preocupado.




Após vasculhar os outros cômodos e não ter encontrado nada além de fotos da família junta e feliz, e algumas fotos de Higor e de membros do “Clã Raziel” que também estavam entre as coisas de Raquel, eles foram para o quarto dela. Chegando lá, viram que ela não foi viajar como programou, sua bolsa estava sobre a cama, ainda para ser arrumada, e algumas armas que levava em viagens e missões, havia algumas roupas por guardar.





Além das roupas, armas e equipamentos que Raquel precisaria para acampar nas montanhas, para onde ela havia falado que iria, estavam os dois carros na garagem, o dela e o de Renata, que Raquel ainda guardava.





“Alguma coisa aconteceu com ela! Tenho que pedir permissão para ir atrás! Reunirei uma equipe e sairemos em busca de Raquel!”




“Não encontrei nada aqui, em nenhum lugar da casa, nada que comprovasse que Raquel foi acampar… Tô tendo um mau pressentimento… Espero que Higor tenha encontrado alguma coisa lá em cima, ela não pode desaparecer assim do nada, sem deixar rastros!” — Ana Clara não gostava do fato de Higor e Raquel estarem juntos, ou quase isso, mas a admirava pela sua força, caráter e competência no clã. Raquel fez grandes conquistas no seu pouco tempo como chefe de equipe.  




Durante a madrugada, Hakon levou Lilith para conhecer Raquel, a caçadora, e também queria fazer um teste com as duas. Chegando lá, ele desfez o feitiço que lançou sobre ela para que dormisse, como Raquel estava ferida e com a mente perturbada não ofereceu resistência para que ele a enfeitiçasse. Então a levou para uma sala que usava exclusivamente para invadir e fazer a limpeza mental nos seus prisioneiros.




— Então esse é o estágio final… Aqui é onde eu viro atração de circo dos horrores. E depois?… Você me mata?
“Não matarei você. Se quisesse, já o teria feito… Tenho que fazer um último teste e depois lhe solto. Mas, agora, não converse comigo usando os lábios. Faça como da outra vez” — Ele disse telepaticamente.
“Não sei do que você está falando” — Ela respondeu da mesma forma.
“Exatamente assim, como está fazendo!”
Hakon queria saber se Lilith poderia ouvir os pensamentos de Raquel. Ele bloqueou a conversa entre ele e Raquel, mas Lilith poderia quebrar o bloqueio de Raquel se quisesse, assim ela acreditava. De Hakon ela não conseguiria, mas de outras pessoas sim.




“O que você está fazendo? Bloqueando a conversa?… Está falando mentalmente com ela, por quê? ”
Lilith percebeu que Hakon bloqueou a conversa, mas ela tentaria quebrar o bloqueio de Raquel, tarefa que acreditava ser fácil.





Lilith não gostou do que Hakon fez, então começou a tentar invadir a mente de Raquel, no entanto, encontrou um bloqueio forte e tão resistente como uma parede do mais duro aço. Forçou mais uma vez, e mais algumas, até que não conseguiu e ficou frustrada com o fracasso.




Raquel continuou, sem saber direito o que estava acontecendo, mas obedeceu ao que Hakon lhe disse. Mesmo que não gostasse disso, ele de certa forma tinha um domínio sobre ela.




— Você não consegue, minha querida?… Não fique decepcionada. Essa humana tem uma barreira mental forte.
— Mas vejo que você já a quebrou, ou estou enganada?
— Nenhuma mente é tão poderosa assim… Eu queria saber até onde ela conseguiria manter essa barreira.




“E o que planeja fazer com ela? ”
“Ainda não me decidi… Ela pode ser útil a nós”.
“Essa humana tem meu respeito… Plantar dúvidas no grande Hakon?”




Ele sabia exatamente o que faria com Raquel, mas não iria contar a Lilith. Pelo menos não naquele momento.





Raquel conseguiu ouvir toda a conversa entre eles. Apesar de Lilith ter colocado o bloqueio, não foi difícil de quebrá-lo. Apenas se concentrou na mente de Lilith e conseguiu ouvir a conversa dos dois.





Lilith caminhou para mais perto do vidro, ainda frustrada e com raiva, então ela tentou mais uma vez quebrar a barreira existente na mente de Raquel.




  “Não consigo!!! Essa humana é perigosa! Considere firmemente a sua morte!” — Ela disse para Hakon, pensando que Raquel estava alheia à conversa deles.





“Eu posso fazer isso por você!” — Lilith disse para ele, telepaticamente ainda. — “Quero provar do sangue dela! Talvez tenha um gosto especial, já que é a primeira humana a me bloquear!”
“Não me diga o que fazer! Você não tocará nela!… Saia imediatamente sua insolente!”




— Me desculpe, meu príncipe! Eu… eu só queria lhe dizer que a acho perigosa para os demais.
— Você está frustrada por ser superada por uma simples humana. Isso só demonstra como a sua raça é fraca! Retire-se!





Lilith obedeceu imediatamente. Ela sabia que exagerou e abusou ao dar uma ordem a Hakon Astaroth, e por isso saiu imediatamente.





“Olha só!… Os dois demônios brigando por mim?… Isso é muita honra!”
“Você é muito sarcástica… Não consigo sentir o medo em você. Não com frequência. O que acha que acontecerá? O que acha que farei com você?”
“Acho que vai me deixar ir, apesar de querer me transformar…, mas lhe digo, se me transformar, eu me mato!”
— Conseguiu ouvir toda a conversa entre mim e ela… Estou impressionado. Confesso que sua mente me atrai.
— Então, como vai fazer para se livrar de mim sem me matar?




Hakon entrou no quarto e se juntou a Raquel.




Os dois ficaram parados um de frente para o outro. Hakon tentando quebrar mais uma barreira da mente de Raquel.
“Por que fico nervosa com esse demônio perto de mim? Não é a presença ameaçadora que faz isso comigo!” — Ela pensou consigo mesma. E como ele ainda não conseguiu chegar a esse ponto da mente dela, Raquel poderia pensar sem que ele lesse.
Ele forçou grandemente as barreiras de sua mente, sem a machucar. Hakon podia fazer isso. Seria até mais fácil forçar a mente de Raquel a ponto de fazê-la sentir dor, uma forma que seria o mesmo que arrombar uma porta a pontapés, mas ele não queria mais causar dor a ela, queria deixar Raquel viver, e se forçasse dessa forma poderia deixar sequelas. No entanto, ele teria que conseguir, teria que apagar as suas memórias recentes, assim não correria o risco de Raquel voltar para a ilha.




Raquel sentiu um forte sono. Era como se estivesse vendo tudo em câmera lenta. Hakon conseguiu acessar suas memórias recentes e sentir as suas dores, seus medos e até os temores de Raquel em relação a ele.
Então ele lhe ordenou que deitasse na cama. Assim que Raquel pegasse no sono, não se lembraria de nada desde o dia em que foi parar na ilha, desde o momento em que se deitou na sua cama e se tele transportou para lá. Raquel estava confusa, mas nem quis lutar com ele. Apenas obedeceu, já que queria sair logo dali.




Sentiu-se tonta e confusa, sonolenta, quase desmaiando. Ouvia a voz doce e sedutora dele mandando e, pedindo a ela que dormisse, relaxasse na cama. E ela finalmente sucumbiu.
“Que mente poderosa, de fato, me intriga. Vou estudá-la de longe. Tenho que saber no que se tornará, como os caçadores humanos pretendem usá-la.”




Ele deixou Raquel adormecida profundamente e agora iria tirá-la dali. Quando Raquel acordasse, já estaria fora da ilha.
Ela ficaria viva, mas os Astaroth a observariam sem que soubesse. Hakon pretendia trazer Raquel para a família, futuramente, mas isso tinha que ser por vontade dela. Só assim ele teria controle sobre os poderes mentais de Raquel e a completa fidelidade dela.





Três níveis acima da sala. Renata chorava abraçada com Brandon. Ela temia que sua irmã estivesse morta. Perdeu as esperanças quando viu Hakon descer com Lilith.




— Meu amor, calma! Ainda não sabemos o que aconteceu.

— Mas ela subiu furiosa! Eu sei que ele matou Raquel por caprichos daquela princesa!

— Não sabemos de nada! E Hakon Astaroth nunca iria cumprir com os caprichos de ninguém, nem que sejam os dela! Não sofra com antecedência, Renata.



“Brandon é fiel a mim, porém, fez uma infeliz escolha quando decidiu ter ligação com essa vampira... Ela nem sequer tem o mesmo sangue da caçadora. Sinto o cheiro diferente das duas. Sei que não compartilham o mesmo sangue”




O príncipe se aproximou do casal com tanta rapidez quanto um piscar de olhos.
— Por quem você me toma? Que mente fraca você tem. Tão diferente da sua irmã... Se continuar a me subestimar assim, colocarei você e Brandon para fora da mansão... Não merece o companheiro que tem.




Brandon não se atreveu a defender a esposa. Apenas observou atento e muito tenso.




— Me perdoe, senhor, meu príncipe... Só estou sofrendo por...
— Por nada!... A caçadora vive, apaguei suas memórias recentes. Ela deixará a ilha ainda hoje.
— Muito obrigada, meu príncipe! Nunca vou poder agradecer o suficiente!
— Não, você não poderá agradecer, mas por enquanto, seja uma boa esposa. Eu não fiz isso por você!




Na caverna onde Jacques meditava, ele sentiu uma presença fortíssima.




A presença de um ser forte e muito antigo, quase tão antigo quanto a raça dos Astaroth.




“Esse ser... Eu sei quem é. Preciso falar com Hakon imediatamente!”.




Jacques abriu um portal com o poder da sua mente. Ele iria se tele transportar até a ilha para falar com seu irmão Hakon. Já fazia duzentos anos desde que Jacques tinha se recolhido no intuito de obter concentração total para sentir a essência da prometida sobre a Terra, e, naquele momento, ele finalmente a sentiu.




Continua...

Comentários

  1. Alguém avisa a Raquel que se isso fosse um jogo provavelmente Hakon seria o final Boss? Ser Sarcástica com um cara como ele não é uma boa opção!

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    1. Sim, Raquel é realmente corajosa em desafiar o Hakon. Obrigada Tatsumi!

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